Grupo de samba tradicional do centro de São Paulo está impedido pela Prefeitura de se apresentar na Rua Treze de Maio, onde esteve por anos. Agora, negocia seu retorno
Treze de Maio, número 507, Bixiga. É no bar do Jilson que, em 2009, o grupo Madeira de Lei e a produtora cultural Carla Borges criaram o Samba da Treze. Por mais de dez anos, o evento ocupou as calçadas das noites de sextas-feiras e fez parte da agenda cultural do bairro de imigração italiana que respira samba.
Hoje, no entanto, o samba está interditado de se apresentar na Treze de Maio devido às denúncias da comunidade. Representantes da Igreja Nossa Senhora da Achiropita, a subprefeitura da Sé, o CONSEG da região, moradores locais e a associação de cantinas e restaurantes do Bixiga, a ‘Viva a Treze de Maio’, alegam que o movimento, tida a proporção que tomou nos últimos anos, interdita vias públicas e perturba o sossego.
“Samba, agoniza mas não morre”, já cantava Nelson Sargento. Para se adequar às exigências dos órgãos públicos, o Samba da Treze teve que passar por uma mudança de local e horário. Sua agenda, agora, contempla rodas na Vila Madalena e shows em outras ruas do Bixiga, com cobrança de valores para entrada. Mas o samba quer voltar às origens.
Samba da Treze: como tudo começou
A inspiração do nome veio de uma situação nada extraordinária: um caminhão de lenha havia estacionado na porta da padaria onde os fundadores estavam se reunindo para discutir um novo nome. “Nós somos ‘madeirada’, somos do Bixiga. Mas tem que ter ‘de lei’, nós somos de lei”, falou um deles, e assim estava rebatizado o grupo.
Já a ideia do movimento de rua nasceu em um bar, em 2009, durante um momento de crise no casamento entre Carla Borges, fundadora e atual produtora do evento, e Namur – um dos outros fundadores do grupo. “Eu amo samba, adoro pessoas, adoro eventos, não desistimos de tudo e montamos esse negócio?”, disse a produtora, plantando a semente do Samba da Treze.
No início, realizavam as rodas no período das 4 às 8 horas da noite e, já em maio de 2010, conseguiram tomar as proporções que sonhavam e realizar um antigo desejo: resgatar o samba na rua e nos bares do Bixiga.
“O Altar do Samba, como antes era chamado, foi o primeiro grupo a se apresentar na paróquia Nossa Senhora Achiropita, ainda em 1974”, afirma. De forma curiosa, 48 anos mais tarde, o local onde o samba teve a sua faísca inicial é o mesmo a tentar apagá-la, já que a igreja foi um dos órgãos responsáveis pela denúncia.
O samba e a comunidade local
“Sem o samba aqui, a Bela Vista não existe”, afirma Jilson Clemente, o Jil, dono do bar que ajudou a construir a história do Samba da Treze. O proprietário disse que, no começo, o grupo não tinha onde fazer o samba e foi então que iniciou a parceria de tanto sucesso. “Hoje, o Samba da Treze é famoso no mundo inteiro. Enfim, eles não tinham oportunidade de tocar e aí eles me deram a oportunidade de conhecer eles”, relata o comerciante. Como forma de ajudar o Samba da Treze, Jilson aumentava o preço da cerveja em um real e repassava esse lucro a mais para o grupo.
“Eles me ajudaram muito mais do que eu ajudei eles e hoje eu sou muito grato a eles”, diz o comerciante. A reportagem constatou a informação com outros estabelecimentos na própria rua Treze de Maio. Representantes da Achiropizza e do Markondes disseram que, no dia do evento, às sextas-feiras, eles tinham um aumento de 30% em seus negócios. “Eles sempre trouxeram muita gente. O samba traz benefícios, ele traz a galera para a rua, ele agrega a todos os comerciantes”, opina Eliana dos Santos, proprietária da hamburgueria em frente ao samba.
Sem poder estar na rua, o Samba da Treze foi buscar novos espaços que poderiam tocar. Um deles foi a JR Burguer, localizada na rua Conselheiro Carrão, número 488 – nas imediações da 13 de Maio. “Chegou a parar a via quando o Samba da Treze veio pra cá. Eles têm muitos seguidores”, conta Reginaldo Amorim, de 56 anos e que estava trabalhando na hamburgueria quando o evento fez parceria com o seu estabelecimento. “O Samba da Treze marcou e registrou uma história aqui”.
Primeiras denúncias e o início do conflito
No entanto, em 2018, nove anos depois do início do movimento, Carla relata o surgimento das primeiras reclamações. Afirma ter sido intimada por Luciano Martins de Farias, o então presidente do Conseg (Conselho Comunitário de Segurança), a subir para praça da região.
As denúncias estavam fundamentadas, principalmente, no fato do Samba da Treze atrapalhar o movimento na rua Treze de Maio. Elas foram feitas pelos moradores locais e pela associação de cantinas e restaurantes da região, ‘Viva a Treze de Maio’.
“Como comerciante, acho errado eles fecharem a rua. Como o próprio nome diz, é público, né”, afirma Reginaldo. Eliana, por sua vez, daria preferência a um evento fechado, “que colocasse banheiro e que todo mundo colaborasse, para fazer um samba organizado.”
Ver essa foto no Instagram
ESQUINAS também entrou em contato com as cantinas e restaurantes envolvidos na associação. Nenhum quis se pronunciar publicamente sobre o caso. Sob condição de anonimato, afirmaram que sabem da importância do samba para muitas pessoas que dependem dele, mas que o evento atrapalhava demais os negócios desses estabelecimentos.
Jilson é exceção entre os comerciantes. “Eles falam que o samba atrapalha o ir e vir deles [das cantinas e da igreja]. Mas não é verdade. Tem vários acessos para chegar aqui”. Para ele, a migração para a praça não resolveria eventuais transtornos. “Aqui, eu dava suporte para o samba, lá não tem suporte nenhum. Vai ter segurança para o público, em um lugar escuro? Tem o hospital Menino Jesus logo em cima, vários prédios e moradias lá. E outra, tem o pessoal de rua, que também fica na praça”, completa.
A situação para o Samba da Treze se complicou quando o Padre Antônio Sagrado Bogaz assumiu a Paróquia Nossa Senhora Achiropita. O movimento passou a ser visto como adversário. “Antes dele, os padres terminavam a missa, iam benzer a nossa roda de samba e agradeciam a gente por começar o samba depois de apagar a luz e fechar os portões da igreja”, relembra Carla. Para Cristóvão Gonçalves Pereira, ex-educador da paróquia, o padre tem “implicância” com o movimento.
O conflito se acirrou a tal ponto que o padre sofreu um ataque por um comerciante local. Logo após o Natal de 2018, no dia 27 de dezembro, Edson Augusto da Silva, dono de um bar em frente ao Samba da Treze e à paróquia, golpeou o padre com um facão. A vítima hoje está recuperada do atentado, mas não quis falar a ESQUINAS. Jilson e Carla reiteram que o evento sempre respeitou o horário da Igreja: começava depois da missa e acabava antes da meia-noite. “Se tem aglomeração depois que acaba não é na nossa roda, no nosso quarteirão”, afirma.
Veja mais em ESQUINAS
O Grilo: da formação ao Cine Joia lotado, confira a trajetória da banda sensação no indie
Entre o samba e a culinária: os ingredientes que regem a trajetória de Mestre Chiquinho
Pandemia e as negociações com a prefeitura
Com a pandemia, o evento deixou de acontecer para não causar aglomerações. Voltou em dezembro de 2021, mas ocorreu apenas três vezes. Todas elas foram marcadas pela ação da polícia, interditando o movimento. Hoje, o Samba da Treze busca novos locais para realizar a sua roda de samba e tenta retomar suas atividades via negociação com a prefeitura.
Em nota, a Subprefeitura da Sé reafirma que incentiva e apoia manifestações culturais e artísticas, inclusive as rodas de samba. Sobre a interrupção do samba da Treze, justifica: “foram explicados os motivos da decisão e reiterado que o evento ganhou uma proporção que o local não comporta mais”.
As denúncias se baseiam em bloqueio de calçadas, interrupção do tráfego na Rua Treze de Maio e ruído extremamente elevado. Segundo a nota, isso prejudica o comércio e o tráfego local, o direito de ir e vir das pessoas, os eventos e missas da Paróquia e os moradores da região.
A nota ainda aborda a reunião feita com representantes do Samba da Treze e o vereador Professor Toninho Vespoli (PSOL-SP): “Infelizmente, o vereador e os responsáveis pelo samba interromperam a reunião, deixaram a Subprefeitura da Sé, se recusaram a pedir autorização necessária para qualquer evento e deixaram o local afirmando que, a partir daquele momento, ‘estavam declarando guerra’ contra a Subprefeitura da Sé. Impediram, assim, qualquer análise técnica e a discussão de qualquer alternativa.”
Entramos em contato com o vereador, que explicou sua relação com o movimento e a polêmica atual. “Sou frequentador do Samba da Treze há alguns anos. Acompanho e estou sempre em contato com a comunidade. Fiquei sabendo do problema logo quando ele surgiu”.
“A concentração de um grande público no Bixiga é uma consequência da falta de espaços culturais, lazer e acesso na cidade, fazendo com que o povo tenha poucos ambientes como o Samba da Treze para frequentar”, explica Toninho. Ele argumenta que, desde o momento em que entrou no caso, busca diálogo com a Subprefeitura para organizar o evento junto à CET. “O Samba da 13 é um patrimônio imaterial do Bixiga, e o que é do povo deve continuar do povo.”
Ao final de nossa conversa, um senhor se aproxima. Seu Lourival trabalha em frente a Igreja de Nossa Senhora da Achiropita e é frequentador do Samba da Treze. Logo após ouvir que falávamos sobre o grupo e a interdição, nos explica a importância das sextas-feiras à noite para ele: “Quando saio da empresa, gosto de tomar uma cerveja, escutar um samba. E agora. Sempre fui ao Samba da Treze. Para mim, era a maior maravilha que tinha no mundo, as pessoas se divertiam demais. Agora não tem outra coisa para fazer aqui”, conclui, em tom saudoso.