Durante a reta final do período eleitoral, estudantes se reuniram na Avenida Paulista contra o corte de verbas anunciado pelo governo federal
Na tarde desta quinta-feira (18), estudantes foram às ruas protestar contra a sinalização de um corte de gastos realizado na área da educação pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 5 de outubro. Os manifestantes se concentraram em frente ao MASP e percorreram parte da Avenida Paulista, descendo a Rua Augusta e seguindo até a Praça Franklin Roosevelt, onde o ato acabou.
A manifestação foi organizada por diversos movimentos estudantis e coletivos, acontecendo em cidades ao redor de todo o País. Em São Paulo, universidades públicas federais e estaduais como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do ABC (UFABC) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) participaram do movimento e tiveram suas aulas paralisadas, somado ao apoio de partidos de esquerda.
Orlando Silva, deputado federal filiado ao PCdoB, participou do ato: “Como quem já participou do movimento estudantil há muito tempo atrás, estou muito feliz de ver a força e a dedicação da juventude brasileira”.
O contingenciamento e seus impactos
Apesar do recuo no bloqueio de R$ 1 bilhão em investimentos na Educação em geral, após denúncias e protestos, outros cortes já haviam sido feitos entre junho e agosto deste ano – totalizando R$ 434,5 milhões a menos no orçamento de universidades públicas ao redor do Brasil.
Segundo a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), algumas até podem ter dificuldades no pagamento de contas de luz e água neste fim de ano e ao longo do próximo. Vale lembrar que essas mudanças orçamentárias estão ocorrendo semanas antes do segundo turno das eleições presidenciais.
Para Júlia Poletto, de 22 anos, presidente do Centro Acadêmico do Bacharelado em Ciências e Tecnologia da UFABC e representante discente dentro dos Conselhos Superiores da Universidade, o ato acontece em momento crucial no cenário nacional: “A mobilização é de extrema importância visto que durante esses últimos anos do governo Bolsonaro, a educação tem sido o principal foco de precarização”.
“Desde 2019 já começamos com as grandes mobilizações por conta do contingenciamento de 30% feito por ele. Hoje, apesar do confisco de R$ 1 bilhão já ter sido cancelado, foi feito o corte de R$ 600 milhões do Ministério de Ciência e Tecnologia, demonstrando que a educação já está muito precarizada”, conta Júlia sobre a situação em que a área da educação se encontra, em relação a seu desenvolvimento e suas verbas, durante o atual governo.
Diversas são as questões que as instituições de ensino superior enfrentam no país, as verbas destinadas à educação têm a função de suprir inúmeras necessidades das universidades públicas e de seus alunos e docentes. Investimentos em pesquisas científicas, funcionamento dos Restaurantes Universitários e vagas destinadas a cotistas são afetados pelo baixo valor destinado ao setor, e isso preocupa, e muito, os estudantes.
Josias Lima, de 22 anos, é do Diretório Central dos Estudantes da UNIFESP e um dos líderes do ato em sua universidade. O estudante demonstra sua preocupação diante dos cortes que ocorrem no Ministério da Educação desde 2019: “No momento em que a Universidade ganhou uma cara nova, no sentido de ter mais estudantes pobres e negros, houveram diversos cortes na educação. Isso é uma tentativa de expulsar essa juventude que não possui, ainda mais no ano que a gente debate a renovação das cotas. O acesso é importante, mas a permanência também.”
Perguntado sobre os impactos sofridos pela Unifesp desde o início dos cortes, Josias afirma: “Nós não temos dinheiro para garantir o restaurante universitário aberto nos próximos anos, por exemplo. O meu campus, que é na zona leste, não tem Restaurante Universitário e não tem liberação de orçamento para construção. É muito importante que a gente se mantenha mobilizado para garantir isso”.
Os cortes também ocasionam forte impacto na UFABC (Universidade Federal do ABC) e ameaçam o pleno funcionamento da Universidade. Os reflexos desse corte de verbas é visível em diversas áreas dentro da instituição, desde a diminuição de funcionários, até insegurança sobre os custos de água, energia e transporte, explica Júlia Poletto.
”Os ônibus fretados cumprem um papel pedagógico (já que a universidade tem um campi em Santo André e um campi em São Bernardo e a locomoção entre eles é feita pelos fretados). O que possibilita os alunos estudarem em ambos os campi é justamente esse acesso que o fretado proporciona. Há também a questão da segurança, já que são os ônibus que garantem a movimentação segura dos alunos desde os campi até as estações de metrô e de ônibus a partir das 20:00 horas. Atualmente já percebemos que a zeladoria, por exemplo, foi afetada: hoje na universidade há muito menos funcionários em comparação à antigamente.”, afirma a estudante.
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A retomada dos estudantes na política
A revolta contra os cortes orçamentários e a defesa da educação pública foram as principais pautas defendidas pelos manifestantes. As manifestações foram marcadas pela multidão que protestava junto a cartazes, gritos como “educação não é mercadoria” e uma vizinhança que participava pelas janelas.
Contudo, a poucas semanas das decisões do segundo turno, o clima era também de conquistas de votos para os candidatos do PT, Lula, candidato à presidência da república e Fernando Haddad, candidato ao governo do estado de São Paulo, e críticas a políticas instauradas durante o governo Bolsonaro.
”Hoje nós precisamos fazer um enfrentamento para reverter os cortes, que haja recomposição orçamentária e, a semanas do segundo turno, ganhar votos para dizer que esse projeto não serve para juventude, para educação e para o povo. Estamos mobilizados para eleger Lula e Haddad”, complementa Josias.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAAUSP), Ana Castro, de 48 anos, afirma que, apesar de se tratar de uma universidade estadual, os cortes do governo federal impactaram muito a pesquisa científica: “Sentimos muito a diminuição do número de bolsas, fim do programa Ciências Sem Fronteiras, o impacto foi muito grande.”
Ao mesmo tempo, alunos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) temem o desmonte da instituição e estavam organizados na manifestação.
“Estamos há 74 anos dentro da USP mas não temos o mínimo respeito. Estão querendo tirar nossos professores. Estamos lutando para permanecer dentro da USP, contra o desmonte do EAD (Escola de Arte Dramática). Somos uma das escolas de artes dramáticas mais antigas do Brasil”, diz Iraci Estrela, de 24 anos, aluna da EAD.
Além de contar com a participação de estudantes e professores, o ato mobilizou profissionais de diversas áreas, que também saíram às ruas para se manifestar e demonstrar suas indignações sobre o momento que a educação atravessa no Brasil.
“Hoje a aula é na rua”
Keychain Guedes, faxineira de 34 anos, levou seus dois filhos ao ato, Bento e Eduardo, de 7 e 11 anos, respectivamente, e contou sobre a importância em defender a educação para que um dia seus filhos tenham oportunidade de ingressar na faculdade.
“A educação não é igual no Brasil, eles estudaram a vida toda em escola pública e queríamos que fosse um ensino com mais cultura, ensinando a importância da pintura, da arte, nesta escola atual, eles não dão esse tipo de educação. Ou seja, falta cultura dentro da escola, e isso para mim é algo falho”, conta Keychain, que também afirma que a humanização do processo educacional pode contribuir muito para a melhora da educação no país.
A perspectiva dos jovens que ainda não ingressaram nas universidades é de tentar construir uma educação melhor para o povo brasileiro. Nathaniél Bezerra, de 20 anos, atualmente desempregado, fala sobre sua participação no ato, e da esperança em relação ao futuro do setor no país: ”Para mim, é mais uma demonstração de esperança. Eu estava meio perdido, mas toda vez que eu venho em protesto eu lembro do por quê de estar aqui ainda. Eu me sinto apoiado, sinto que ainda temos chance de ter um Brasil melhor, um futuro.”
O jovem que pretende ingressar no ensino superior em breve, compartilha o sentimento que teve ao saber dos cortes orçamentários, ”Eu perdi o chão quando soube do corte. Logo quando eu vou entrar na faculdade! Eu fiquei com medo, mas não é hora de desistir. Eu sei que vou conseguir, nem que eu tenha que lutar até o final da minha vida para isso”.