Al Janiah: culinária, história e política definem a casa palestina no bairro do Bixiga - Revista Esquinas

Al Janiah: culinária, história e política definem a casa palestina no bairro do Bixiga

Por Luísa Monte e Maria Fernanda Viana : janeiro 10, 2023

Bandeiras de Cuba e da Palestina foram colocadas acima do balcão do restaurante

Conheça o espaço que reúne arte, política e o melhor da culinária árabe fundado por um palestino-brasileiro no bairro tradicional dos imigrantes em São Paulo

Localizado no Bixiga, em São Paulo, Al Janiah é um bar e restaurante palestino que também pode ser descrito como centro cultural e espaço de acolhimento aos refugiados. Desde sua inauguração, em 2016, ficou extremamente conhecido. Tamanho foi o sucesso, que, somente um ano após a abertura, já trocou de endereço.

ESQUINAS foi até o local e conversou com Hasan Zarid, palestino-brasileiro, um dos proprietários do Al Janiah, que contou as origens, valores e objetivos do espaço.

O que é Al Janiah?

Zarid chegou ao Brasil nas condições de refugiado há 20 anos e, atualmente, mora em São Paulo. “Al Janiah é o vilarejo dos meus pais na Palestina. Eu sempre trabalhei com questões ligadas à cultura árabe e acompanhei várias coisas aqui em São Paulo. Milito desde os 16 anos, então, como a questão palestina tem uma bandeira que cabe em toda esquerda, eu tinha uma relação com vários partidos”, conta

Assim, juntando a questão árabe com a política, Zarid inaugura um lugar próprio para eventos, cursos, peças de teatro, lançamentos de livros, exibições de filmes e de fotografia. Já na porta de entrada, coberta de adesivos de políticos, artistas e movimentos sociais, se vê que é um local de ativismo. “A ideia era criar um espaço que tivesse isso, que pudesse levantar a bandeira palestina, ter debate político. Um espaço que pudesse trazer as pautas de esquerda.”

Culinária e apropriação

A comida não é tudo, mas é um dos pontos principais da casa. O cardápio é de culinária árabe tradicional, com preços justos. Foi eleito o melhor de São Paulo na categoria nova cozinha de imigrantes pelo Guia da Folha em 2017. Os famosos kibe, esfiha, falafel e kafta estão presentes, junto com opções que podem ser novidade para os brasileiros: sanduíches de shwarma (carne ou frango no espeto) e  shish taouk (frango com especiarias e pasta de alho).

O falafel é a verdadeira joia da casa, pois leva uma história por trás. Segundo Hasan, “se for falar sobre Palestina ,vocês têm que comer o falafel.”

Para os palestinos, o bolinho de grão de bico é definido como símbolo da tentativa de apagamento da identidade, uma vez reivindicado  pelas redes de fast-food e autoridades israelenses como produto típico da culinária de Israel.  “Na verdade, ele é um produto milenar do camponês palestino. Na época da ocupação da faixa de Gaza, se falava uma frase famosa: ‘O velho morrerá e o jovem esquecerá’. Então esse é um símbolo de luta. O falafel é resistência. É como o acarajé palestino.”, brinca o proprietário.

Veja mais em ESQUINAS

Antiquário Bar & Café: um refúgio no Centro de São Paulo

Mangia che ti fa bene: a gastronomia italiana como forma de identificação

Riviera Bar: 73 anos da imponente esquina paulistana

Resistência?

Al Janiah é um local de política e militância, mas Hassan Zarid não o enquadra como espaço de resistência. Em vez disso, ele reconhece seu lugar privilegiado, fora do alcance da guerra armada: “A gente é resistência dentro do nosso meio, mas quando você olha a luta, o que acontece na Palestina, você vê que aquilo lá é resistência. Eles estão há 80 anos existindo e resistindo contra tudo e todos. A resistência, para mim, é quem tá na Palestina até agora, tomando tiro todo dia.”

No lugar da resistência palestina, ele se enxerga como resistência do avanço da direita e do bolsonarismo. O espaço realiza vários tipos de eventos que apoiam a esquerda brasileira, como debates e apuração de eleições, como a do primeiro turno em 2 de outubro, que reuniu mil pessoas sentadas, em pé e apertadas nos 3 espaços do restaurante. Infelizmente, por esse motivo, são alvo de ataques da direita. A pressão vem desde 2018.  Em 2019, receberam bombas de gás lacrimogêneo por um grupo identificado como supremacista. Durante a pandemia, em 2020, participaram de uma reportagem para a CNN Brasil sobre o movimento antifascista, sendo identificados pela deputada Carla Zambelli, que escreveu reportagem definindo-os como o pior que há em São Paulo.

O que rola no Al Janiah

Desde sua abertura, o Al Janiah oferece seu estabelecimento para vários tipos de eventos. Até o início da pandemia, o restaurante realizava todas às quartas-feiras shows de bandas estrangeiras, a maioria sendo da América Latina e do continente africano. “A gente vai retomar esse projeto em janeiro”, afirma Hasan. Durante os finais de semana, o restaurante toca samba e recebe bandas brasileiras.

Só em 2019, o Al Janiah realizou 359 eventos. Entre eles estão festas de coletivos, lançamento de livros – a maioria deles tendo política como tema -, movimentos feministas e debates. Os debates promovidos no local discutem, de forma ampla, política. “Fazemos debates, coisas que a esquerda não discutiu no Brasil inteiro nós discutimos aqui no mês passado, que foi segurança pública com a polícia antifascista”, comenta o palestino.

O estabelecimento acredita que a Palestina só vai se tornar livre quando o mundo se tornar livre, o que, segundo Hasan, lhes dá uma esperança de que um futuro melhor um dia irá deixar de se tornar um sonho e vai se transformar em realidade. “A votação do Lula na Palestina foi a maior em porcentagem de votos, o que não é nenhuma surpresa. No Piauí, o Lula fez 80% dos votos, na Palestina fez 86%. Em 2018, o Haddad teve a maior votação dele, em percentual, na Palestina. A gente fala isso com muito orgulho. Nós, palestinos, sabemos o lado certo da história sempre, de forma antecipada”, finaliza.

Editado por Nathalia Jesus

Encontrou algum erro? Avise-nos.