9ª Arte: fecha a primeira galeria física dedicada a quadrinhos do Brasil - Revista Esquinas

9ª Arte: fecha a primeira galeria física dedicada a quadrinhos do Brasil

Por Felipe Ockner (1º ano), Isabella Maria Nemezio Lura (1º ano), Lara Vital (2º ano) e Mateus Monteiro da Costa (1º ano) : junho 14, 2023

A galeria foi a primeira especializada em quadrinhos no Brasil. Foto: dgim-studio/Freepik

A 9ª Arte Galeria, local especializado em quadrinhos na Rua Augusta, fechou suas portas recentemente, mas segue com acervo e loja disponíveis online

O espaço, fundado pela arquiteta Mona Lisa Martins (40) e seu marido, tinha como foco expor e vender peças originais de quadrinistas, itens de exposição, camisetas e bottons. A ideia veio da experiência de Mona Lisa em uma galeria de arte tradicional no bairro dos Jardins, “amava trabalhar lá e pensava que tínhamos que abrir uma galeria futuramente, depois que a gente tivesse filho e fosse morar no interior. Mas o filho veio antes, aí o pensamento mudou para: vamos abrir essa Galeria aqui em São Paulo mesmo, mas vai ter que ser diferente”.

A Galeria, fundada no final de 2018, fechou suas portas em abril desse ano. Com a transição do espaço físico para o virtual, Mona Lisa ressalta, “as vendas acontecem pelo site, mas com certeza é um desafio, porque a loja fica movimentada quando tem a exposição física”. A alternativa adotada pelo casal será investir em editais, que são publicados pelo Governo.

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Entrada da Nona Arte Galeria.
Lara Vital

O que são os editais?

Editais são ‘concursos abertos’, que têm como objetivo financiar projetos artísticos. Eles podem ser oferecidos por empresas privadas ou pelo governo. Para concorrer, é necessário responder um questionário, elaborar justificativas, detalhar orçamentos, entre outras exigências. Alguns dos editais específicos para quadrinhos são:

ProAC (Programa de Ação Cultural de São Paulo)

Programa do Estado de São Paulo, criado em 2006, com o objetivo de investir em projetos culturais, através de concursos formalizados. Os projetos selecionados nestes concursos recebem os recursos financeiros, sem que haja a necessidade de procurar por patrocinadores. Em 2023, o Governo direcionou o total de R$1 milhão para obras em quadrinhos, sendo R$50 mil por projeto.

Prêmio Machado Darkside 

Premiação brasileira dedicada à literatura, quadrinhos e outras narrativas, organizada pela DarkSide Books, a primeira editora brasileira inteiramente dedicada ao terror, à fantasia e ao suspense. Sua primeira edição ocorreu em 2020, contendo uma premiação equivalente a R$100 mil em prêmios para cada vencedor, dentro das cinco categorias (romance e contos, quadrinhos, não ficção, outras narrativas e desenvolvimento de projetos). Com mais de cinco mil inscrições, o graphic novel ‘Aurora’, produzido por Rafael Calça e Diox, foi o vencedor na categoria de quadrinhos.

Bienal de Quadrinhos

Apesar de não ter o foco na premiação em dinheiro, a Bienal de Quadrinhos é um dos eventos do ramo mais tradicionais do Brasil. Seu foco é publicar os trabalhos vencedores do concurso, garantindo-lhes visibilidade. Idealizada e produzida por um grupo de artistas e produtores independentes, a sétima edição do evento está prevista para ocorrer em setembro, no Museu Municipal de Arte (MuMA), em Curitiba. Com uma curadoria totalmente feminina, o tema de 2023 será “Resistências, existências: quadrinhos e corpos plurais”.

Além dos editais, redes e projetos virtuais são grandes facilitadores para o financiamento e reconhecimento de artistas independentes. Plataformas como Webtoon, Guia dos Quadrinhos, Twitch, Patreon, Tapas e Tumblr podem ser meios alternativos de se garantir uma publicação.

A importância das galerias

A quadrinista Helô D’Ângelo (28), vencedora do prêmio HQMIX de 2022, ressalta que, antes de se discutir sobre a importância das galerias, é necessário entender que os quadrinhos são, antes de tudo, uma forma de arte. “Eu acho que as galerias são um espaço muito bom para expor a arte, para a gente discutir, para a gente observar e trocar ideias. Quanto mais a gente ocupar as galerias, melhor, na minha opinião”.

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Interior da 9 Arte Galeria.
Foto: Isabella Nemezio

Para o escritor e quadrinista Yuri Moraes (37), o contato físico continua sendo necessário, “sou sempre a favor de termos experiências físicas para as artes, principalmente as visuais”. O artista, que já teve algumas de suas obras publicadas na 9ª Arte, descreve também a sensação de ter seu trabalho exposto em uma galeria, “foi demais. A nossa exposição foi interrompida pela pandemia, mas foi bem emocionante planejar e ver tudo montado ali”.

Preconceito com os quadrinhos

Mona Lisa, sócia da Galeria, comenta sobre o preconceito com o modelo literário, descrevendo que algumas pessoas acreditam que os quadrinhos são sempre infantis e voltado para super-heróis. “O preconceito existe. Por exemplo, existe uma discussão sobre quadrinhos serem ou não arte, existe esse dilema assim. Então, quando a gente abriu uma galeria de artes para quadrinhos, foi pensando exatamente nisso”. Sobre o nome do espaço, Mona Lisa explica:

“É Nona Arte Galeria porque o quadrinho é a nona arte! Não há dúvida disso”.

O livro ‘Persépolis’, da artista gráfica iraniana Marjane Satrapi, vencedor do Prêmio Revelação do Festival Internacional de Quadrinho Angoulême, considerada a premiação francesa mais importante do gênero, é a indicação de Helô D’Ângelo para quem quer começar a ler quadrinhos. “O livro faz a gente sair um pouco da ideia que quadrinho é só coisa de criança ou coisa de super herói”.

A quadrinista comenta ainda que os editais públicos carecem de investimentos focados em quadrinhos. “Quando a gente coloca quadrinhos dentro do edital de literatura, a gente provavelmente não vai ter pessoas especializadas em quadrinhos selecionando as obras. Então, não é tão bom. Faltam editais só para os quadrinhos”.

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Dificuldades na publicação de quadrinhos no Brasil

Para Helô D’Ângelo, o cenário de quadrinistas iniciantes não é fácil. Ela explica que, muitos iniciantes optam pelo financiamento coletivo e por vezes acabam publicando seus livros com editoras que não respeitam direitos autorais, ou que não pagam esses direitos. Essas empresas, segundo ela, acabam se aproveitando dos autores. “Essa desorganização ocorre por falta de informação e falta de entender que tipo de método é preciso para publicar um livro. Aí entra um pouco na questão da pessoa não conhecer outros quadrinistas, não conhecer a cena de quadrinhos e ficar meio perdido.”

Já Yuri Moraes, acredita que para começar a publicar seus quadrinhos, basta correr atrás e ter disposição para conectar-se às ideias e trabalhá-las dia após dia. “Meu conselho é sempre: faça o que você ama sem pensar na recompensa direto. O que tiver que voltar pra você, vai voltar inevitavelmente”.

Editado por Mariana Ribeiro

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