Exposição em São Paulo reúne 47 artistas que usam diferentes formas de arte para criticar e repercutir questões da sociedade
“É uma proposta para estar junto e dizer não junto”. É assim que a curadora Adriana Rodrigues, 27 anos, descreve a mostra ‘Dizer Não!’, utilizando um trecho da carta-convite do evento. A exposição de arte contemporânea reúne 47 artistas e foi organizada por ela, Edu Marin, Érica Burini e Thaís Rivitti. Foi realizada de forma independente, contando com doações e apoio do Ateliê 397, e está localizada na Rua Cruzeiro, 802, na Barra Funda.
Cunho político da exposição
Para Érica Burini, 28, curadora que ajudou na montagem da mostra, o cunho político da ‘Dizer Não!’ é inevitável: “É uma exposição que conversa diretamente com esse momento que estamos passando. Não só da pandemia, mas especialmente do governo Bolsonaro, porque fala dessa condição da arte e da cultura.”
A exibição busca refletir sobre ataques preconceituosos, racistas, homofóbicos, machistas e a banalidade com que a atual gestão tratou questões de saúde pública durante a pandemia da covid- 19.
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“Nós confessamos todas as perguntas que passavam pela nossa cabeça sobre o âmbito da arte, da cultura e com todos os seus trabalhadores, não só artistas, e o que é possível fazer nesse momento que estamos de braços atados por causa da pandemia”, explica Érica sobre a carta-convite do evento, que foi divulgada em postagens no Instagram.
Segundo ela, diversos aspectos de descontentamento são tratados ao longo da carta e respondidos durante a exposição, seja de maneira combativa, indireta, cômica, sensível ou reflexiva, através dos pontos de vista dos 47 artistas.
As obras
O documentário “Mil litros de preto: o largo está cheio”, exposto por Lucimélia Romão e que retrata uma performance da artista, trata de questões raciais e da violência do Estado contra a população preta, pobre e periférica. “Esse trabalho vai falar sobre o genocídio dessa população que a cada 25 minutos é assassinada pelo Estado”, afirma Lucimélia.
A execução da apresentação foi feita com a ajuda das Mães de Maio. A ação aconteceu durante 60 horas e a cada 25 minutos um balde era virado na piscina, representando o sangue da população.
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Para o artista e designer de 42 anos, Shima, os artistas, curadores e visitantes da mostra são “um pequeno núcleo de resistência diante de tudo que está acontecendo”. Na ‘Dizer Não!’, ele está expondo três trabalhos: “Protocolo”, “Agora”e “Toda Liberdade é Condicional”.
“É um trabalho que foi feito em 2010 para pensar o ato”, explica o artista sobre a obra “Protocolo”. Ela consiste em um vídeo no qual dois homens se cumprimentam com um aperto de mão que vai ganhando intensidade. Ao potencializar o aperto ao longo do vídeo, o objetivo é refletir sobre sua natureza.
Durante a pandemia, “Agora” foi criado como uma espécie de mantra para Shima. Por ter ficado tanto tempo em casa e com tantas incertezas o cercando, ele conta que tentar se manter no momento foi necessário para continuar bem.
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“Estar no agora foi um jeito de não me perder”
Enquanto isso, a obra “Toda Liberdade é Condicional” busca chamar atenção para um questionamento do artista: “Alguém realmente é livre?”. Shima afirma que pensa nesse trabalho todos dias antes de sair de casa e que pretende deixá-lo na mente daqueles que visitam a exposição: “Fica na saída da exposição. É a frase que eu quero que as pessoas levem para fora, para casa, para rua e para vida”
Exposição em tempos de pandemia
Outra obra que reflete diretamente a situação atual é “Diário”, de Fernando Burjato, artista de 48 anos. “Esse é um trabalho que surge na pandemia, não pensado em um trabalho de arte. Foram desenhos que eu comecei a fazer no momento em que ficamos trancados em casa, muito assustados. Comecei a perceber que eu assistia muita televisão, era um momento que eu ficava o tempo todo vidrado nas notícias”, ele relata.
“Diário” é uma série de 36 ilustrações de rostos de políticos, figuras brasileiras importantes, infectologistas e jornalistas que estampavam a televisão do artista, organizados em ordem cronológica. Ele afirma que, quando começou a desenhá-los, não tinha a pretensão de expor as ilustrações.
“É um panorama geral. Claro que muito pessoal, pois veio do confinamento, eu olhando para a TV. Nesse sentido, as figuras que eu repudio são tão importantes quanto aquelas que eu respeito”, diz Fernando.
Oportunidade de dizer o que pensa
“Quando recebi o convite, pensei em como seria interessante participar de algo com um compilado de pessoas que estavam interessadas em pontuar insatisfação”, lembra Kauê Garcia, artista visual de 37 anos. Sua obra “Arrivistas” tem como objetivo demonstrar a desigualdade social entre a população e donos de grandes corporações. O trabalho é uma compilação de frases ditas por milionários, com um tom positivista sobre a pandemia e o lucro que ela trouxe para eles.
“Vivemos em um mundo em que as grandes empresas estão interessadas no lucro e a população estava interessada em sobreviver. Todo mundo perdeu pessoas próximas. Me deparar com empresas que conseguem subverter essa situação em lucro, me deixou muito mexido”
Para Adriana, “o mais importante que a arte pode fazer nesse momento é oferecer um respiro ou um momento de reflexão”.
A mostra ‘Dizer Não!’ está em funcionamento até o dia 19 de setembro, aberta das 14h às 18h de quinta e sexta-feira e das 11h às 19h aos sábados e domingos. A entrada é gratuita e o uso de máscara é obrigatório.
Além da visita, é possível apoiar a “Dizer Não!” através de doações neste link.