Conheça a Toca da Capivara, samba tradicional do Bixiga: "Tem que gostar de gente!" - Revista Esquinas

Conheça a Toca da Capivara, samba tradicional do Bixiga: “Tem que gostar de gente!”

Por Ligia Moraes, Manuela Miniguini, Maria Laura Mazo e Victória Gorski : abril 3, 2023

Interior da Toca da Capivara, samba tradicional do Bixiga. Foto: Manuela Miniguini / Revista Esquinas

O “rolê” que começou em uma garagem com amigos, cerveja e gelo, hoje comporta um dos bares de samba mais famosos do bairro do Bixiga, em São Paulo

Quem chega no local, em uma rua lateral à famosa Avenida Brigadeiro Luís Antônio no centro de São Paulo, não imagina que, atrás do letreiro de madeira, está localizado um dos sambas mais autênticos da capital paulista. Ao entrar, percebe-se um silêncio. O lugar é revestido por um isolamento acústico entre a porta que dá para a rua e a outra que dá para o bar. Há uma breve revista, a entrega da comanda para consumo e o cliente já está liberado para curtir a noite.

O evento de sábado, 11 de março, estava marcado para às 21h, mas a maior parte das pessoas começa a chegar por volta das 22h e a partir daí não para mais. O bar, que antes estava vazio, enche até quase não haver mais espaço para circulação, e então, o público já acostumado com o esquema, forma uma roda em volta de algumas mesas e cadeiras, onde os músicos estarão mais tarde sentados. O ambiente tem a iluminação baixa, o que traz o sentimento de conforto, e algumas decorações simples, mas com personalidade.

A origem da “Toca”

Na espera pela banda Samba do Bule, Victor Cavalcante, o sócio e criador da Toca da Capivara, conta um pouco sobre como teve a ideia de abrir um bar na noite paulistana: “Foi meio por acaso. Eu era professor de sociologia, mas sempre fui muito botequeiro, e uma vez, conversando com o meu pai, ele falou: ‘Você não tem vontade de fazer mais nada?’, e eu disse: ‘Ah, se um dia eu tivesse um bar, eu acho que daria certo’. Isso foi em 2013”.

Ele logo adiciona que, em 2014, o local era uma garagem pertencente ao avô e, após receber sua permissão para usar o espaço, deu início ao negócio apenas com a experiência que tinha em organizar festas universitárias. “Eu comecei sem investimento nenhum, coloquei uns ‘baldão’ de gelo, cerveja, e chamei uns amigos para fazer uma roda de samba”. Rapidamente a festa começou a crescer, e o evento, que antes era organizado praticamente na rua, aos sábados à tarde, foi expandido para dentro do imóvel onde hoje está a Toca. O proprietário acrescenta que o bar é um dos fatos em sua vida que o faz acreditar em divindades: “É conjunção de astros e tudo”, define ele.

Desde então, a Toca da Capivara virou um sucesso entre os sambistas e amantes do ritmo. Para o dono, o diferencial da casa é a pessoalidade: “Muita gente se conhece, todo mundo é amigo. Tudo deixou de ser apenas uma relação profissional”. Julio Yamamoto, sócio da Toca e músico, conta que antes de entrar para o negócio já frequentava o bar desde a inauguração e que, com a banda Surdo Manco, a qual fazia parte, também tocava periodicamente na casa, até ser convidado por Victor para participar mais ativamente. “Eu era o melhor cliente daqui!” diz Yamamoto, e confirma: “É um negócio de amizade mesmo, é para além do bar”.

Para José Adeilton, conhecido por todos na Toca da Capivara como “Cabelinho”, o “multifunções”, como o próprio se definiu, o que o fez se apaixonar pela Toca foram as pessoas: “Eu gosto do povão. Eu sou gentil, gosto de dançar e de ensinar também”. Para Cabelinho, a Toca é um ambiente familiar e, apesar de ser pequena, fato muito comentado também pelos frequentadores da casa, traz um aconchego difícil de se encontrar em qualquer lugar.

Todo mundo “apertadinho”

A familiaridade é apontada como o diferencial do bar por seus clientes. As comidas caseiras e itens de decoração dão um ar aconchegante e íntimo, que tanto falta na capital paulista. “O bolinho de carne e cuscuz, que são feitos pela minha mãe, são os que mais saem, e tudo que tá na Toca foi presente de alguém. Você tem que gostar de gente, eu acho que é isso que faz a diferença. Eu gosto muito de gente, tanto que eu era professor antes.” Victor comenta.

Ana, conhecida como “Aninha Batucada” e vocalista de uma das bandas que se apresenta no local, comenta que a movimentação da Toca é cativante e que costuma reencontrar pessoas por lá. Já Carol, analista de importações, diz que sua primeira visita ao bar foi um “estudo antropológico, como assistir ao Big Brother” e que o aperto da galera traz uma energia diferente para a experiência:

“Está todo mundo aqui apertadinho e aí a gente começa a conversar. Hoje mesmo eu conheci várias pessoas que eram de realidades completamente diferentes da minha e a gente se conectou de alguma forma. Vocês mesmo, estão aqui fazendo um trampo, mas é uma conexão diferente. Eu estava passando e fiquei com vontade de conversar com vocês, esse aperto traz isso.”

Entre as dezenas de rodas de samba do Bixiga, a Toca parece ser a favorita de seus frequentadores. Alexandre Freire Lima, frequentador fiel do bar, diz preferir a Toca da Capivara por tocar o samba tradicional, em suas palavras: o “samba samba mesmo”.

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Objetos que compõe a decoração da Toca. Grande parte do acervo são presentes de público
Manuela Miniguini / Revista Esquinas

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O Samba e o Bixiga

Ninguém sabe ao certo a origem do nome “Bixiga”, mas existem hipóteses: o comércio de bexigas do matadouro da cidade, ou o bairro ter abrigado muitas vítimas da varíola, doença que deixa marcas em formato de bexiga na pele, ou ainda pelo nome de proprietários de terra como Antônio Bexiga.

O bairro do Bixiga representa um reduto multicultural em São Paulo. Seus primeiros habitantes foram populações indígenas, que viviam às margens dos rios Saracura e Itororó, e do córrego Bixiga, hoje todos canalizados. Posteriormente, o bairro representou um refúgio para italianos e ex-escravizados. Rapidamente, se tornou o coração da cultura africana em São Paulo.

No bairro, a tradição, os costumes, os rituais e a música continuaram vivos. Incluindo o samba, que logo conquistou não só os italianos, mas também compositores importantes como Adoniran Barbosa. Foi ele um dos grandes responsáveis por trazer prestígio e reconhecimento ao samba paulista.

Nos anos de 1930 surge uma das escolas de samba mais emblemáticas da cidade, a Vai-Vai. É nela que Geraldo Filme se encontra como músico, e decide fundar o departamento cultural da escola de samba. A partir daí, o samba se consolida como uma das representações culturais mais importantes do Brasil.

Ana, artista que se apresenta na Toca, afirma: “O samba representa a história. O samba existe há muito tempo, antes mesmo de eu existir. É uma manifestação cultural muito antiga, vinda da população preta. Esse lugar representa uma continuidade dessa história.”

Infelizmente, o bairro tem sofrido tentativas de gentrificação, com inúmeras intervenções que tentam enobrecer o bairro, apagando sua origem popular. Como por exemplo, mudanças de nome que o bairro sofreu desde o século XIX e políticas higienistas. Esse processo, é percebido por alguns clientes da Toca da Capivara, como Matheus Alves, estudante, que diz: “eu sinto que vem essa roupagem um pouco mais gentrificada, um pouco mais “limpa”do samba. E eu percebi isso frequentando”.

Programações

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Decoração da área dos banheiros no bar composta por objetos diversos
Victória Gorski / Revista Esquinas

A programação da Toca é diversificada ao mesmo tempo que é tradicional. Grupos de samba se apresentam no local regularmente e são muito queridos pelo público. As Sambixas, Samba do Bule, Amigos do Arnesto e Pagode do Pequeno são alguns dos nomes que marcam presença no local nas próximas semanas.

A casa é muito familiar e repleta de diversidade. As Sambixas, por exemplo, é um grupo formado por integrantes LGBT+ que toca no lugar com frequência. As músicas repletas de cultura e representatividade cativam o público, que por muitas vezes se encanta pelo local justamente por isso. “A Toca da Capivara eu acho que é um lugar autêntico, é um lugar em que a gente vê de tudo: rico, pobre, preto, branco, universitário, trabalhador”, afirma Thiago, estudante de psicologia que frequentou a Toca pela segunda vez.

O horário de funcionamento é de segunda e quinta das 20h às 2h, e de sexta e sábado das 21h às 3h. O ingresso pode ser adquirido na entrada pelo valor de 15 reais. Para ficar por dentro da programação, acompanhe @atocadacapivara no Instagram.

Editado por Nathalia Jesus e Ronaldo Saez

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