“Gostava mais antes dessa doença”: idosos em casas de repouso têm rotina alterada na pandemia - Revista Esquinas

“Gostava mais antes dessa doença”: idosos em casas de repouso têm rotina alterada na pandemia

Por Lívia Santana, Maria Júlia Miranda e Renata Milliet : outubro 9, 2021

Judith Pinheiro no Lar Sant'Ana durante a pandemia.

Colaboradores e familiares explicam dificuldades na adaptação dos moradores de lar de idosos em meio à crise da covid-19

Após fraturar o joelho em um acidente doméstico, a vida ativa e independente de Judith Pinheiro, de 95 anos, mudou completamente. Coube aos filhos a tarefa de convencer a mãe a se mudar para uma casa especializada no cuidado de idosos. Pouco a pouco, a ideia passou a ser aceita e, após várias visitas e conversas, o Lar Sant’Ana passou a ser a nova casa da Dona Judith, em fevereiro de 2019.

Ela lembra com carinho que, antes da pandemia, os finais de semana eram sempre muito aguardados. Aqueles eram os dias reservados para rever os filhos, netos e bisnetos. Uma rotina que foi interrompida com a chegada da covid-19.

Moradora da unidade de Alto de Pinheiros, destinada a idosos independentes ou com dependência cognitiva/motora leve, Dona Judith, que sempre foi desacostumada com a solidão, viu a pandemia construir uma barreira entre ela e sua companhia favorita, a família. A matriarca, mãe de cinco, avó de nove e bisa de outros nove, conta que gostava mais de viver no lar antes “porque não tinha essa doença e podia sair à vontade”.

“Minha mãe não via a hora de sair, de ver as pessoas. Ela entende que está difícil, que ainda está morrendo gente. Ela tem dois bisnetos pequenos e diz que está perdendo de vê-los crescer, então é triste”, diz Cristina, de 70 anos, filha mais velha de Judith. “Durante esse tempo, ela não se sentiu sozinha e abandonada. O telefone estava sendo o único meio de comunicação possível no momento. Tentávamos explicar, mas não queríamos assustá-la. Então dizíamos para ela se cuidar”, lembra.

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Dona Judith e os seus cinco filhos.
Acervo Pessoal

O dia a dia dos idosos durante a pandemia

Sobre sua rotina no lar, dona Judith explica que “não varia muito não”. Ela não se levanta cedo, então participa das atividades a partir das 10h30. “Eu me levanto tarde para compensar as inúmeras vezes que eu levantei muito cedo.” Depois do almoço ela está em tudo: “Estou aqui para o que der e vier”.

A idosa diz gostar muito da casa, além da companhia e prosa com os demais internos e funcionários, e comenta que gosta do lar porque sempre tem bastante distração. Os idosos não têm tempo para descanso. Atividades como bordado, fisioterapia, bijuteria, pintura, canto, dança, bingo e jogos de cartas fazem parte da rotina dos internos.

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Dona Judith toma café da manhã no seu quarto por acordar mais tarde.
Acervo Pessoal

Assim que o governo decretou o estado de calamidade pública, o Lar Sant’Ana gradualmente iniciou a implementação das medidas restritivas e de higiene. Uma médica infectologista do Hospital Emílio Ribas orientou as ações. Além disso, as regras impostas também foram observadas pela Vigilância Sanitária, pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e pela supervisão do Ministério Público.

Renata Firpo, supervisora da casa, conta sobre a dificuldade de adaptar os residentes às normas de restrição e higiene: “A dona Judith mesmo. Hoje, eu coloquei a máscara correta nela duas vezes porque eu cruzei com ela, com certeza mais vezes ela põe no queixo”.

Sem as visitas dos familiares e o tempo no isolamento, a supervisora lembra que os idosos ficaram mais agitados e impacientes no início do processo. “A família não poder entrar, a gente não poder compartilhar, evitar esse contato é muito difícil. Até porque a gente sempre foi uma casa muito aberta”, afirma.

Cristina explica que, devido à suspensão de algumas atividades, percebeu que sua mãe tornou-se um pouco apática, passou a se esquecer com frequência e repetir histórias. A memória deu uma decaída devido às circunstâncias trazidas pela pandemia”, conta.

Mais tarde, com a flexibilização das visitações, um acrílico, que permitia apenas a interação oral, separava Dona Judith de sua família. O problema auditivo da idosa e a restrição do contato físico tornou ainda mais desafiador manter uma conversa. Contudo, em setembro de 2020, Judith conta que sorriu novamente ao ver toda a família reunida, em uma sala isolada no lar, comemorando seus 95 anos de vida.

A vacinação e a nova rotina dos idosos e de Dona Judith

Dona Judith foi para a vacinação assim que soube que iria acontecer. Ela e outros idosos se apressaram e formaram uma fila disputada, seguindo todas as orientações para evitar aglomeração. Na sua vez, desabotoou o célebre twinset e deu o braço para a agulha. Todos queriam tirar fotos e compartilhar com os familiares o momento tão aguardado.

Depois de um ano sem sair do lar, Judith passou o Dia das Mães de 2021 ao lado dos filhos. Como eles já foram vacinados, a possibilidade se tornou viável. “Minha irmã a levou para a casa da filha dela, mas não nos aglomeramos muito. Para ela foi a glória, ficou super feliz. Eu e mais uma irmã vivemos em São Paulo, os outros irmãos moram fora. Eles sempre ligam para ela, os netos, ligamos todos os dias. Tudo para ela sentir que está viva, que não está jogada às trevas, que esquecemos dela”, conta Cristina.

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No Lar Sant’Ana, o monitoramento da saúde dos idosos é constante, os familiares são avisados das condições em que os internos se encontram. Dona Judith está saudável. Apesar de tomar alguns medicamentos, ela já foi vacinada contra a gripe e realizou o PCR-RT (teste responsável por identificar a presença da covid-19) após passar o dia das mães fora.

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Judith Pinheiro no Lar Sant’Ana durante a pandemia.
Acervo Pessoal

Após o retorno das atividades fora do Lar, os internos precisam cumprir um período de cinco dias de isolamento nos quartos, mas Dona Judith classifica a medida como um “castigo” com o qual não simpatiza muito. “Outro dia eu saí, fui almoçar na casa da minha neta e minha filha também foi, mas, graças a Deus, não me ‘castigaram’. Se eu ficar cinco dias fechada num quarto, acho que eu pulo a janela e vou lá para o jardim. Porque é ruim ficar no quarto, eu não gosto de coisa fechada, estou acostumada com bastante gente”, explica.

“A gente nunca conseguiu deixar a dona Judith restrita ao quarto. Ela via que a casa estava vazia, entrava no quarto de outra senhora e a gente pegava lá o motim se formando. Ela é arteira”, conta Renata.

Editado por Nathalia Jesus e Julia Queiroz.

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