Movimento na Estação da Sé segue restrições e aberturas do governo, mas, apesar da queda na demanda, local continua tendo aglomerações
Na plataforma Corinthians-Itaquera o relógio já marcava 13h30. A baldeação da linha azul para a vermelha do metrô de São Paulo estava dentro do esperado para o “novo normal” naquela quinta-feira. Não foi preciso correr para garantir o embarque no próximo trem ou forçar caminho pelas escadas. Mas mesmo em um horário menos movimentado, não havia assentos para todos os passageiros e o distanciamento era pura utopia. Cerca de 30 pessoas esperavam o trem. Atrasado. Quem pega sempre o metrô na Estação da Sé já até se acostumou aos maiores tempos de parada.
Sabendo das aglomerações que os atrasos podem causar naquela estação, Will foi esperar direto no fim da plataforma. Naquele dia, estava indo um pouco mais cedo para o trabalho. Afinal, o turno no hospital não tolera atrasos. Depois de uma hora no ônibus do Jardim Peri, na Zona Norte, até a Estação Santana, e mais quinze minutos até a Estação da Sé, ele só tinha mais meia-hora para descer na Mooca e entrar no Hospital e Maternidade Salvalus para mais um turno como auxiliar na farmácia do hospital.
Desde que a oportunidade surgiu, ele faz o percurso cansativo de segunda a sexta. William Mesquita, de 23 anos, trabalha no turno da tarde, levando remédios para pacientes com covid-19 e outras doenças, das 14h às 22h. Quando ele começou, em março de 2021, a fase emergencial estava em vigor e era um pouco mais fácil ir sentado. Agora, com a reabertura dos comércios, ele já vê mais pessoas no metrô de novo, mas nada comparado aos padrões da Sé antes da pandemia.
“Próxima estação: Sé; transferência para a linha vermelha do metrô…”
Por conta da pandemia, o metrô de São Paulo teve um prejuízo de R$1,7 bilhão em 2020. O dado foi apresentado no Relatório Integrado Anual do Metrô, como recorde negativo para o sistema metroviário. Com mais pessoas ficando em casa para se proteger, o transporte público teve uma queda brusca de demanda, principalmente no início da crise sanitária.
O melhor exemplo disso é a Estação da Sé. Localizada na região central da cidade e integrando as linhas 1-Azul e 3-Vermelha do metrô, a Sé é a estação mais movimentada do metrô há décadas. Apesar de manter esse título até hoje, a redução no número de passageiros foi drástica. Em abril de 2020, por exemplo, a demanda caiu para um quinto da registrada no mesmo período de 2019. A partir de agosto, a média de passageiros por dias úteis voltou a atingir o marco de 100 mil, mas não houve recuperação ao nível pré-pandemia. O acumulado de passageiros no ano de 2020 foi metade do registrado na estação no ano anterior.
Essa circulação menor ficou perceptível até do lado de fora do metrô. O PM Salles trabalha na patrulha da praça da Sé há cinco anos e nunca viu a área tão vazia como em abril de 2020. Desde então, o movimento foi acompanhando as restrições impostas pelo governo. “No início de maio a gente já vê mais movimento porque os comércios estão reabrindo. Abriu comércio, tem movimento”, ele explica.
O superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, interpreta os casos de lotação no metrô durante a pandemia com a mesma lógica: “Se a cidade abre, a demanda vem”. Mas, durante a pandemia, o metrô deixou de estar preparado para atender a demanda total da cidade. Diante da queda do número de passageiros, o serviço diminuiu a oferta de trens na tentativa de reduzir o prejuízo de manter a frota operante.
No entanto, a medida só fez com que a aglomeração se acentuasse nas estações em um momento em que as pessoas precisavam ficar mais distantes umas das outras. Por isso que, quando vai trabalhar, William sente o metrô tão cheio. “Depois de uns meses [de pandemia] começou a ter uma movimentação normal, como se não tivesse pandemia nenhuma. Realmente fica lotado igual”, ele queixa.
“A situação é muito ruim no sistema de transporte público. Se as coisas continuarem como estão, vamos caminhar rumo a um colapso”, adverte Néspoli. De acordo com o especialista, o déficit nas contas do transporte público está gerando um problema muito sério nas relações contratuais entre o poder público e os concessionários. Se a situação não melhorar, a qualidade e a disponibilidade dos serviços correm grande risco. A greve dos metroviários, que paralisou parcialmente quatro linhas do metrô no dia 19 de maio, é um sinal do que pode vir.
“Próxima estação: Pedro II; desembarque pelo lado esquerdo…”
Na vida de William não foi só o transporte que passou por mudanças. Desde o início da pandemia, ele foi de estudante universitário para motorista de aplicativos e, agora, trabalha em um hospital, em contato direto com a causa de tantas mudanças: o coronavírus.
Em março de 2020, começaram as aulas à distância para o curso de jornalismo da UNIP Vergueiro. Will já não ficou muito feliz com a ideia, mas, como todo mundo, ele teve a esperança de que a situação voltasse ao normal em breve e ele pudesse retomar as aulas presenciais ainda naquele ano. Mas os meses foram passando e ele não conseguia estágio na área. No meio do ano, viu como os amigos estavam tirando uma boa renda como entregadores no aplicativo Rappi e decidiu se lançar na bicicleta.
“Quando eu comecei a ganhar dinheiro com as entregas, vi que eu estava me destacando naquilo, mas os melhores horários para entregas eram no horário da aula”, explica. Como ele não conseguia acompanhar as aulas do período noturno, ele decidiu trancar a faculdade no início desse ano, depois de pensar muito sobre o assunto e conversar com a família.
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Morando com os pais, o irmão mais novo e a avó, a pressão para conseguir uma renda própria foi aumentando e o trabalho no hospital foi muito bem-vindo. Mas presenciar os impactos da covid tão de perto não é fácil, principalmente quando ele vê o descaso das pessoas ao seu redor. “Na quebrada nunca teve pandemia”, ele afirma.
“Na periferia, as pessoas nunca levaram o vírus muito a sério. Até porque elas não têm condição de parar de trabalhar ou de trabalhar de casa”, William explica. “Hoje, tem que usar a máscara porque é lei, mas não vi as pessoas mudarem muito de hábito por causa da covid. Ainda tem baile funk e festa todo fim de semana”.
Hoje, a porta do metrô se abre para mais um dia no hospital, mas a próxima parada na vida de William vai ser voltar para a faculdade. Ele se prometeu que, se no ano que vem as coisas estiverem melhor, voltará para o curso para correr atrás do sonho de ser um jornalista investigativo.