No Brasil, só em 2020, 457 grávidas morreram em decorrência da Covid-19
A administradora Beatriz Marin, de 29 anos, faz o seguinte questionamento: “Do que adianta eu estar grávida, se eu vou morrer?”. Apesar de toda a dificuldade, ela, assim como outras milhares de brasileiras, enfrentam a gravidez durante a pandemia. “Aconteceu quando tinha que acontecer”, explica Beatriz, quando questionada sobre arrependimentos da concepção durante esse período.
Desde a adolescência, ela carregava o sonho de ser mãe. Casada há 4 anos, Beatriz tinha tudo planejado: engravidaria aos 28 anos, após realizar uma pequena cirurgia no útero, a fim de corrigir seu útero septado – formato de um coração. No entanto, uma semana antes do procedimento, em março de 2020, o primeiro caso do novo Coronavírus chegou ao Brasil, com leitos esgotados, a operação foi adiada
Impossibilitada de engravidar e assustada com a situação pandêmica, a administradora conta que, junto ao seu marido, decidiu que esperar realmente seria a melhor opção. Em outubro de 2020, quando os números de contaminações e mortes por Covid-19 diminuíram, Beatriz finalmente pode realizar a cirurgia e, em seguida, engravidar. Contrariando todas as estatísticas que apontam uma média de 8 meses de tentativas para a gravidez, ela se surpreendeu com o resultado positivo do teste de farmácia logo no primeiro mês.
Apesar de toda a alegria, esse sonho não está se realizando da forma como imaginou. Em meio ao isolamento social, Beatriz tem mantido contato mínimo com os parentes, os quais gostaria de dividir esse momento tão marcante em sua vida. O tão emocionante primeiro ultrassom, realizou sozinha, sem nem a companhia do marido: “Estava morrendo de vontade de chorar ouvindo o batimento do bebê e não tinha ninguém para segurar a minha mão. Isso foi horrível”. Mesmo com vontade, ela diz que não arriscará sair do isolamento social e expor a ela e ao seu filho, e justifica sua escolha: “Se eu sair e pegar [covid-19], eu não posso tratar com remédios fortes”.
Frente a novos dados do OOBr (Observatório Obstétrico Brasileiro), essa decisão parece no mínimo adequada. Só nos cinco primeiros meses de 2021 foram registradas as mortes de 642 grávidas por Covid-19, quase 30% a mais do que as mortes gestacionais contabilizadas durante o ano inteiro de 2020.
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A ginecologista Vanessa Bonamigo explica que as grávidas e puérperas (mulheres no período pós-parto) estão no grupos de risco da doença, já que durante a gravidez o aumento do volume uterino leva à diminuição da caixa torácica, e consequentemente, ao comprometimento da capacidade respiratória da mulher. Além dessa alteração fisiológica, tanto as gestantes, como as puérperas, têm uma queda na eficiência do sistema imunológico, o que as tornam mais suscetíveis à contração e agravamento da Covid-19.
Uma vez comprovada a maior suscetibilidade das gestantes de contraírem a doença, especialistas chegaram à conclusão de que esse grupo deveria ser priorizado nas campanhas de vacinação. Porém, por razões éticas, nenhuma das vacinas disponíveis no Brasil, em exceção à Pfizer, que iniciou testes no dia 25 de maio, foram testadas em mulheres durante o período gestacional. No dia 10 de maio, o governo, por meio da recomendação da Anvisa, suspendeu a aplicação da vacina Astrazeneca em gestantes até que seja provado que não apresenta maiores fatores de risco para desenvolvimento de trombose, outro motivo para essa suspensão, foi a morte de uma grávida de 23 semanas, no Rio de Janeiro, após ter sido vacinada.
Até o momento, apenas grávidas, puérperas e lactantes com comorbidades foram classificadas como classe primordial na vacinação. “Pela falta de estudos clínicos, nós temos privilegiado as pacientes com comorbidades (…) [as gestantes com comorbidade] têm risco maior de internação e de intubação, por conta da doença de base, aumentando o risco e a probabilidade de partos prematuros, de óbitos fetais e de natimortos precoces”, esclarece Dra. Vanessa.
Mesmo com diversas medidas rígidas de segurança, como a diminuição do tempo de internação das pacientes pós-parto que apresentam quadro positivo, o controle de visitas e acompanhantes, e a divisão de andares e alas, Deborah Barsotti, 29, enfermeira da UTI do Hospital Albert Einstein, desabafa “‘Tá’ todo mundo esgotado mentalmente e fisicamente, passou um ano e nada mudou. Estamos trabalhando no limite, estressados… Dá um desespero porque nós não sabemos quando isso vai acabar”.
Além de seu posto no renomado hospital, ela também atende e faz o acompanhamento de grávidas, mas conta que o número de pacientes caiu consideravelmente: “Realmente a minha lista de clientes caiu bastante, por medo e por motivos econômicos porque a pandemia afetou bastante a economia também”. Quanto aos cuidados adotados com as gestantes que restaram, ela diz que os principais são: o uso de equipamentos de proteção descartáveis, como aventais e máscaras, e uma higienização das mãos e utensílios constantemente.
A principal característica entre as pessoas nesse meio é o estresse, pois tanto a enfermeira, que desabafa: “Não é só o estresse do hospital, porque os problemas em casa continuam, tudo continua”, quanto da futura mãe, que nos diz: “O principal desafio é manter o psicológico controlado… Eu não encontro ninguém que sai na rua há 2 semanas. Não vejo meus pais, não vejo meus avós. É difícil achar o equilíbrio das opiniões sem magoar ninguém”, estão no limite.