Durante o mês de agosto, ESQUINAS traz relatos sobre idosos em isolamento social. O depoimento do casal Cerquiaro Vieira é a oitava reportagem da série Quarentena dos Idosos
Este é o oitavo episódio da série Quarentena dos Idosos, especial de ESQUINAS sobre o isolamento especial na terceira idade. Desde os 16 anos, Dirce Cerquiaro Vieira, 82, é casada com Roque Cerquiaro Vieira, 84. A vida vivida junto seguiu assim, pandemia adentro. No isolamento, os dois se apoiam para continuar bem.
Ambos bacharéis em direito, adoram praticar esportes e fazem de tudo para não ficar parados. Dirce acompanha as aulas de sua professora de Educação Física por vídeo. Roque corre no perímetro do prédio para não abandonar sua prática preferida, que já lhe rendeu 178 medalhas de competições atléticas. Antes da pandemia, maratonava de 10 a 15 quilômetros.
“Desde moleque sempre fui assim. Sempre gostei de esporte, de correr, de nadar. Sabe onde eu aprendi a nadar? No Rio Tietê! Lá sempre tinham um ou dois que morriam afogados porque o rio era fundo, mas nada disso amedrontava a gente. Quantas vezes a minha mãe não ia me buscar de cinta! Mas era gostoso, era uma água limpa, você nadava, pescava, era a praia da gente”. Com o perigo de sair de casa, ele precisou se adaptar à nova rotina e procurar meios de preencher o tempo livre, que ele passa majoritariamente lendo e organizando as medalhas, recordações que o lembram da tão amada e aproveitada liberdade.
A saúde passou a ser preocupação com a chegada do coronavírus. Em abril, o pároco da Igreja do bairro celebrou por meio de uma live a missa de sétimo dia de um grande amigo deles, infectado pela covid-19. No condomínio em que moram, três casos extraoficiais já foram comentados pelos moradores, realçando o sentimento constante de medo. “A gente fica muito preocupado e muito impressionado. Eu não posso sentir um arrepio de frio que eu já acho que estou com algum problema!”, relata Dirce.
Ela se preocupa com a saúde mental do marido, que longe dos parques, piscinas, caminhadas e bicicletas acha “chato para chuchu” ficar em casa. Roque concorda. “Imagina eu, que gosto de fazer tudo isso, ficar aqui preso. Para mim é um sacrifício, mas eu procuro cumprir as ordens. Vamos enfrentar, né?”, diz.
Ambos entendem a importância de seguir as medidas de distanciamento para toda a população e temem pela flexibilização mal planejada. “Se todo mundo sair para a rua, onde nós vamos ficar? Porque as pessoas vão trazer o vírus para nós, ou nunca mais a gente vai poder sair de casa e receber a família, amigos em casa? O grupo de risco tem que ser o último a sair, mas mesmo os que estão fora do grupo de risco tem que ser uma coisa gradativa, bem pensada.”
Dirce, que foi a primeira mulher a exercer o cargo de secretária de um tribunal, e inclusive chegou a trabalhar com o atual ministro do STF Alexandre de Moraes, acredita que nosso presidente é “irracional”. Ela condena atitudes como promover aglomerações, se apresentar em público sem usar máscara e apertar as mãos das pessoas. “Qual é o amor que ele tem pelos pais? Parece que isso não tem valor nenhum para ele.”
Dirce acredita que existem muitas lições na pandemia, como dar valor à família e a solidariedade, mas não é otimista sobre a situação atual. “Muitos ensinamentos podem ser tiradas disso aqui, mas poucas serão aproveitadas”, opina. De concreto, mesmo, segue firme o carinho que une o casal. Roque finaliza: “O sentimento que eu tenho por ela é como se fosse o primeiro dia que eu a vi, é a mesma coisa!”
Nas próximas semanas, seguiremos publicando mais relatos para a série Quarentena dos Idosos.