Lésbicas e transexuais mostram como suas lutas ainda estão longe do fim
Em junho de 2015, a Suprema Corte dos Estados Unidos deliberou a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A comunidade gay e simpatizantes do mundo inteiro entraram em festa: o país mais influente do planeta reconheceu a vitória de uma das principais lutas dos LGBT’s. Essa conquista concretizou uma tendência que segue se firmando nos países progressistas. Homens homossexuais cisgêneros são mais aceitos e integrados à sociedade, mas será que essa tolerância também tem se aplicado às outras letras da militância LGBT?
Dados da Associação Nacional das Travestis e Transexuais, a ANTRA, assustam ao revelar que, somente em 2014, cerca de 150 transgêneros foram assassinados, dando uma amostra da intolerância social em relação a esse grupo. Quem traz essa estatísticas é Ariel Nolasco, de 21 anos, mulher trans que trabalha no projeto Transcidadania, da prefeitura de São Paulo, o qual busca reintegrar socialmente esta população marginalizada. Para ela, o preconceito é diário, sistêmico e começa no processo da transgenitalização: procedimento cirúrgico em que pessoas transexuais e travestis podem escolher readequar suas genitais a sua identificação de gênero. Nolasco explica que são feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas 12 cirurgias por ano, pejorativamente chamadas de “mudança de sexo”. “Se eu entrasse agora na fila do procedimento, só conseguiria realizá-lo daqui a duzentos anos, literalmente”, critica.
No lado L da sigla, uma das principais denúncias é a objetificação e a fetichização da mulher lésbica. Graziela Natasha, jornalista de 25 anos, relata como é enfrentar isso: “Às vezes estou com a minha namorada na rua e me deparo com palavras obscenas se referindo a nós”. Ela revela que o assédio é bem frequente: “Isso, para mim, acontece de forma mais cotidiana possível”. Episódio similar ocorreu com a produtora Maria Clara Paes. Certa noite, em que estava na boate com a namorada, foi abordada por um homem que propôs sexo a três. Para ela, existe sim a fetichização sobre as lésbicas e ela acontece de modo diferente do que se dá com os gays. Em sua visão, a pornografia lesboafetiva é o maior símbolo desse processo: “O pornô lésbico satisfaz o público heterossexual masculino. Não diz nada sobre a intimidade feminina, que é sempre banalizada”, critica Maria Clara.
Na abordagem da mídia, a luta por direitos homossexuais está sendo discutida. Porém, mulheres ou homens transexuais, não possuem quase nenhuma representatividade. “Quantas pessoas transexuais você vê na mídia? E aqui no Brasil? Nenhuma” denuncia Ariel. De acordo com ela, são poucos os filmes, séries ou programas televisivos que dão espaço para uma personagem travesti ou transexual e, na maioria das vezes, é um homem cisgênero que a interpreta. “Eu vivo em uma sociedade que diz o tempo todo que eu não sou mulher. Quando chamam um ator cis para representar uma trans é a mesma coisa”, afirma.
Maria Clara acredita que quanto mais as massas têm contato com personagens LGBT, mais é criada uma identificação que é essencial para combater o preconceito. Renata Soares, de 23 anos, estudante de Publicidade e Propaganda e lésbica assumida desde os 17, fala de como uma visibilidade com pouca representatividade também tem seu lado positivo: “Algumas pessoas dizem que é ruim, que pode ser caricato, mas eu acho que é bom, porque começa a abrir a cabeça das pessoas no geral”.
A falta de protagonismo das lésbicas e transexuais dentro do movimento LGBT ainda é pautada pelo homem gay cisgenêro que acaba sendo porta voz de todas as reinvindicações. “A Parada Gay não é direcionada ao público LBT”, afirma Maria Clara. “Não existe visibilidade fora do movimento LGBT e nem dentro dele, porque hoje em dia é tudo voltado ao homem gay”, reforça Ariel. Outro ponto convergente às lutas é a forma como o machismo afeta tanto as lésbicas quanto as trans. Entretanto, segundo Ariel, as mulheres transexuais sofrem duplamente ao serem vítimas tanto da transfobia quanto do machismo. “Eu parei de ser chamada de traveco pra ser chamada de gostosa. E isso não é machismo?”, questiona.
Na medida em que preconceitos e paradigmas são desconstruídos, conquistas são adicionadas à luta da militância LGBT, embora ainda se apresente problemática a falta da interseccionalidade dentro do movimento. A bacharela em filosofia, Leila Dumaresq, mulher transexual de 37 anos, afirma que a existência do preconceito é internalizado pelo movimento, pois nem todos os espectros marginalizados sofrem as mesmas opressões de gênero, classe, etnia e sexualidade. Além disso, a discriminação também se manifesta a partir do não envolvimento afetivo de gays e lésbicas com homens e mulheres trans, respectivamente. Não bastando as discordâncias internas, a comunidade LGBT vive em uma caça às bruxas incentivada pelos discursos de ódio de fundamentalistas religiosos que compõem o Congresso mais conservador desde 1964. Apesar das recentes conquistas, o movimento encontra-se, ainda, oprimido e fragmentado. Leila afirma ser difícil manter o otimismo em relação à sua luta e que apenas o reconhecimento da diversidade pelo desenvolvimento de nossa alteridade nos salvará da ignorância e da barbárie.