Dentro e fora de campo: até que ponto a política e o futebol se misturam? - Revista Esquinas

Dentro e fora de campo: até que ponto a política e o futebol se misturam?

Por Aline Cordaro, Breno David, Gabriel Rios, Luis Bôsco, Murilo Monforte, Sandra Ribeiro e Sofia Ferreira  : dezembro 15, 2022

Vladimir Putin agradeceu a oportunidade de seu país poder sediar a Copa do Mundo de 2018. Segundo ele, o futebol ajuda a solucionar problemas sociais e elogiou a organização do torneio feito pelo Brasil em 2014.

A lista conta com o caso de apropriação política, mensagem subliminar, expulsão de seleção, comemorações em forma de protesto e desigualdade econômica dentro de campo

A política não tem pausa. Mesmo em época de Copa do Mundo, o instinto apaixonante de torcer para a seleção do seu país levantar a taça não inibe a expressão de opiniões e posicionamentos políticos, dentro e fora do estádio.

2022, ano de Copa do Mundo no Catar, a primeira edição a ser realizada no Oriente Médio. Dessa vez, de forma atípica. O maior evento esportivo mundial acontece entre os meses de novembro e dezembro devido às condições climáticas mais amenas nessa época no país sede.

Embora seja um esporte de muita torcida e celebração, o futebol também abre espaço para manifestações políticas. Conflitos externos influenciam a maneira de pensar e agir da sociedade e, em ano de Copa do Mundo, não podia ser diferente. Na verdade é nesse contexto que os posicionamentos ganham mais visibilidade.

Com o sentimento patriótico à flor da pele, conflitos políticos não são deixados de lado. De protestos à embates marcantes, o gramado é palco de tensões externas. Tendo em vista que muita coisa que acontece no futebol têm teor político por trás, e vice-versa, analisamos algumas situações em que esses assuntos se misturam.

A amarelinha partidária

A cada quatro anos, brasileiros estão acostumados a elegerem o Presidente da República logo após torcerem fielmente para o “país do futebol” na Copa do Mundo. Esse ano, excepcionalmente, os deveres se inverteram e, no contexto de apropriação da camisa do Brasil por apoiadores do candidato Jair Bolsonaro, que representa a extrema-direita na política brasileira, vestir a amarelinha pode não ser uma tarefa tão fácil para o torcedor.

Esta não é a primeira vez que eleitores se apropriam da camisa do Brasil como uma manifestação política. O mesmo já aconteceu em 2016 em atos contra o governo de Dilma Rousseff (PT).

Com o tempo, vestir o uniforme da seleção tornou- se a marca registrada da direita e sinônimo de apoio ao atual presidente, que, com o discurso de querer sentir o “orgulho de ser brasileiro” novamente, “sequestrou” as cores e símbolos da bandeira.

Mas, e quem não apoia o governo Bolsonaro? A polarização entre ideologias políticas distorceram o significado principal do item brasileiro. Nesta Copa, não é difícil encontrar torcedores que se recusem a usar a camisa do país, mesmo aqueles que são engajados com a seleção e o esporte.

“Escolher a camisa da seleção brasileira como forma de patriotismo, é, de certa forma, uma escolha inteligente, mas perigosa. Somos o país do futebol, e nos orgulhamos desse fato, mas politizar o uso das cores da bandeira pode fazer com que o verde e amarelo deixem de representar o Brasil e passem a representar a direita”, afirma Patrícia Fonseca, professora de Cultura Brasileira do curso de moda da FAAP.

Por mais que a separação entre uma opção política e o patriotismo fique clara racionalmente, a dissociação entre um e outro, em meio a manifestações e revoltas, é difícil.

Protestos dentro de campo

A camisa da Seleção Brasileira não é a única envolvida em polêmicas da política esse ano. A Dinamarca lançou modelos monocromáticos de todas as camisas, inclusive os logotipos da empresa e da Federação Dinamarquesa, como forma de protesto.

Em uma publicação feita nas redes sociais, a empresa alemã Hummel Sport, que confeccionou a camisa, afirmou que o ato é um “protesto contra o Catar e seu histórico com os direitos humanos”.

“É por isso que reduzimos todos os detalhes das novas camisas da Dinamarca para a Copa do Mundo, incluindo nosso logotipo e divisas icônicas. Não queremos ser visíveis durante um torneio que custou a vida de milhares de pessoas. Apoiamos a seleção dinamarquesa o tempo todo, mas isso não é o mesmo que apoiar o Catar como nação anfitriã. Acreditamos que o esporte deve unir as pessoas. E quando isso não acontece, queremos nos posicionar”, informa a empresa.

A seleção dinamarquesa de 2022 disponibiliza camisas nas cores vermelho, branco e preto.
Foto: Reprodução / Instagram de @hummelsport

A cor da terceira camisa da Dinamarca para a Copa do Mundo deste ano é preta, em referência ao luto pelas milhares de pessoas que perderam as vidas no país sede. De acordo com a marca, o uniforme também critica o tratamento dado aos trabalhadores migrantes que construíram os estádios da Copa do Mundo e às políticas trabalhistas firmadas no país.

Mediante ao protesto, o Comitê Supremo para Entrega e Legado, entidade que organiza a Copa do Mundo do Catar, se pronunciou dizendo que desde que o país conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo. “A organização trabalhou ao lado do governo do Catar para garantir que o torneio ofereça um legado social duradouro”, disse a instituição em nota.

Esse compromisso então teria contribuindo para reformas significativas no sistema trabalhista, com a promulgação de leis que protegem os direitos dos trabalhadores e garantem melhores condições de vida para eles.

Por esta razão, o Comitê contesta a afirmação da Hummel de que este torneio custou a vida de milhares de pessoas. “Rejeitamos de todo o coração a banalização de nosso compromisso genuíno de proteger a saúde e a segurança dos 30.000 trabalhadores que construíram estádios da Copa do Mundo da FIFA e outros projetos relativos ao torneio”.

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Rússia X Copa do Mundo 2022

A FIFA tem o poder de decidir quem participa ou não do evento, e é claro que a política internacional influencia nesse fator. Sendo assim, por conta da guerra da Ucrânia, a instituição optou por tirar a Rússia da edição deste ano. Com isso, a foto dos jogadores russos não estarão estampadas no álbum de figurinhas do Catar 2022.

Em 24 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin confirmava uma invasão da Rússia à Ucrânia. As fronteiras do país vizinho foram quebradas pelo exército russo e isso figurou um divisor de águas na geopolítica e, também, na 22º edição da Copa do Mundo.

Os países ocidentais, como os Estados Unidos e grande parte da União Europeia, viram-se obrigados a defender a Ucrânia contra as fortes investidas de Putin. Nesse cenário, o medo da população mundial de que uma Terceira Guerra acontecesse se majorava a cada metro conquistado pelos invasores.

Segundo Giovana Dias Branco, professora da Fundação Getúlio Vargas e especialista sobre identidade russa no sistema internacional, esse temor sempre foi muito exagerado:  “Joe Biden sabe que entrar em um conflito direto com a Rússia é pedir para que ambos lados percam. Os arsenais nucleares de ambas as potências são gigantescos, fazendo com que não seja possível um confronto direto entre elas”, pontua.

Vladimir Putin agradeceu a oportunidade de seu país poder sediar a Copa do Mundo de 2018. Segundo ele, o futebol ajuda a solucionar problemas sociais e elogiou a organização do torneio feito pelo Brasil em 2014.
Foto: Roberto Stuckert Filho / PR

Sob esse viés, a saída encontrada pelo resto do mundo para tentar ajudar foi a realização de diversos pacotes de sanções econômicas e políticas, além de medidas diplomáticas. Em meio a todo esse caos, a União Russa de Futebol foi extremamente afetada.

Em 28 de fevereiro, a FIFA anunciou a suspensão da entidade de todas as competições até nova ordem, fazendo com que a seleção russa e todos os jogadores estivessem proibidos de participar do maior evento futebolístico do planeta.

Comemoração Xhaka e Shaqiri

Quem pensa que manifestações políticas só têm tido repercussão no futebol atualmente, engana-se. Na Copa de 2014, durante uma partida entre Sérvia e Suíça, pela segunda rodada da fase de grupos, os jogadores suíços Xhaka e Shaqiri fizeram um gol e comemoraram fazendo o símbolo de um pássaro com as mãos.

No primeiro momento, os comentaristas da Rede Globo pelo menos, achavam que o gesto fazia referência a algo relacionado à paz. No entanto, após o fim da partida, foi apurado que a celebração do gol fazia menção à águia de duas cabeças presentes na bandeira da Albânia.

Posteriormente, foi descoberto a justificativa para tal comemoração: os atletas possuem pais albaneses. A celebração servia como forma de protesto aos governantes sérvios que não reconhecem até hoje a independência de Kosovo – região situada na Sérvia onde se situam diversos moradores naturais da Albânia, que lutam diariamente por esse reconhecimento.

‘’Foi muito emocionante ver essa manifestação”, diz Zizelma Ribeiro, historiadora formada pela Universidade Federal de Brasília. “Apesar de ser um espaço com regras rígidas e contrárias à manifestação política, este foi o espaço alternativo encontrado para dar, corajosamente,  visibilidade à luta pela independência de Kosovo de forma pacífica, com ampla repercussão e alta possibilidade de conseguir apoio aos defensores da independência do país’’, complementa Ribeiro.

Ambos os atletas foram multados pela Fifa em 10 mil francos suíços – equivalente a  R$ 51.400,52 na conversão atual. O lateral Lichtsteiner, que também estava presente na comemoração, mas sem fazer gestos, foi punido.

As guerras movidas por movimentos separatistas da população kosovar são sempre sangrentas. Este sentimento de raiva e ódio acaba transgredindo a política e invade os campos.

Anteriormente, em 2014, uma partida entre Sérvia e Albânia teve que ser encerrada após brigas entres os jogadores. O desentendimento entre os atletas é um reflexo do que acontece fora de campo.

Os meio-campistas sonham em um dia poder defender as cores amarela e azul. Shaqiri, nascido na região do Kosovo, não joga pela equipe por já ter disputado uma competição da FIFA pela Suíça. Xhaka é vetado de representar o local pelos mesmos motivos. Embora ele não seja natural da região, viveu, junto de seus familiares, grande parte de sua vida por ali. Daí vem seu desejo de jogar por Kosovo.

Alemanha X Alemanha

Voltando mais ainda no tempo, a Copa do Mundo de 1974, durante a Guerra Fria, foi marcada pela polarização entre capitalistas e socialistas. O conflito externo se fez nítido no gramado, principalmente quando as Alemanhas, Ocidental e Oriental, se enfrentaram na primeira fase da competição.

Os mascotes oficiais da Copa do Mundo de 1974, Tip e Tap, faziam referência aos lados Oriental e Ocidental da Alemanha
Foto: Reprodução/ FIFA

Em solo alemão, os mascotes da Copa, Tip e Tap, simbolizavam a união e parceria entre as duas Alemanhas, o que representava um clima muito diferente do contexto da época. Além da divisão evidente na política dos dois lados, a economia entre ambas era extremamente diferente.

“A década de 70, mostrou que as duas Alemanhas não estavam em pé de igualdade”, disse a professora universitária e doutora em história social, Vanessa Bortulucce. “O país capitalista estava com uma economia muito mais estável, enquanto que, na Alemanha Oriental,  eram escassos os recursos para impulsionar a mecanização e automatização da produção, bem como ocorria escassez de matérias-primas”, conclui a professora.

A “luta entre irmãos” resultou na vitória da Alemanha Oriental, o que significou também a comemoração de países pertencentes à antiga União Soviética. Até hoje, existem teorias da conspiração que indicam que a Alemanha Ocidental entregou o jogo para conseguir um confronto mais fácil na segunda fase da Copa do Mundo.

O 1 a 0 para a Alemanha Oriental se tornou uma das grandes “zebras” da competição, tendo em vista a disparidade de força entre as duas seleções. Por fim, ambos os times se classificaram, mas quem levou a taça foi a Alemanha dos aliados.

Editado por Anna Casiraghi

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