Caso Klara Castanho: como jovens famosas sofrem com a superexposição midiática - Revista Esquinas

Caso Klara Castanho: como jovens famosas sofrem com a superexposição midiática

Por Clarissa Palácio : julho 1, 2022

Casos como o de Klara Castanho alertam sobre a busca exacerbada por informações e seus impactos na saúde mental de meninas que alcançam cedo o sucesso

A última semana de junho de 2022 foi marcada pela carta aberta da atriz Klara Castanho, publicada nas redes sociais e amplamente repercutida pela mídia. A atriz conta que foi vítima de um estupro e, a partir dele, acabou gerando uma criança. A decisão de Klara foi entregar o bebê para adoção, em entrega voluntária amparada por lei e prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, e manter a história em sigilo. Entretanto, como vimos nos últimos dias, a decisão da menina sobre sua própria vida não foi respeitada.

Além de muitos fatores absurdos e inúmeros tipos de violência contra a liberdade do corpo e da vida da mulher, o caso de Klara traz uma reflexão muito importante sobre a superexposição de meninas jovens na mídia. A história foi tornada pública pela primeira vez pelo jornalista Matheus Baldi, que escreveu que Klara Castanho tinha dado à luz há 15 dias, mas que não queria tornar pública a notícia. Pouco depois, a apresentadora Antonia Fontenelle e o jornalista Leo Dias também disseminaram a história via canal no YouTube e coluna no jornal Metrópoles, respectivamente.

Klara Castanho tem apenas 21 anos, tendo iniciado sua carreira como atriz em 2006, com a série Mothern, da GNT. Na época, a garota tinha apenas 6 anos de idade. Crescer em meio a tantos holofotes pode criar a impressão no público de que não há problema em interferir na vida pessoal e privada de figuras públicas, principalmente se forem mulheres e ainda mais se forem jovens.

Certeza da impunidade

Além de Klara, Valentina Schulz também foi vítima do assédio do público e da mídia ao longo de sua infância. Aos 12 anos de idade, a hoje influenciadora digital participou do “Júnior MasterChef”, da Band e, apesar de apresentar um talento notável com suas habilidades gastronômicas, Valentina foi reduzida à “garota assediada do MasterChef”.

“Uma das frases postadas sobre mim, que ficou mais conhecida, foi: ‘Se tem consenso, é pedofilia?’. Eu tinha só 12 anos, não sabia o que era estupro, muito menos consentimento. Eu não sabia que havia um grupo de homens insinuando coisas sobre meu corpo, que estavam literalmente ameaçando a minha vida. Tinha até gente dizendo que, se me encontrasse na rua, iria me sequestrar”, contou Valentina em artigo publicado no UOL.

Frases como “Qual é a tua idade, lindinha?” e “Os peitos já tão grandinhos, hein!” se tornaram praxe nas redes sociais de uma criança, mostrando que a objetificação da mulher não tem idade, e certamente será exacerbada se a menina em questão é uma figura pública. A certeza da impunidade é crucial para perpetrar a invasão da privacidade moral e corporal de meninas expostas na mídia – a punição, efetivamente, nunca chega.

Vulgarização precoce

Maria Laura Haddad, 20, é influenciadora digital e conta com mais de 30 mil seguidores nas redes sociais. Em entrevista, Maria contou que recebia muito assédio em suas redes sociais, principalmente no Instagram (via direct ou resposta aos stories), quando tinha por volta dos seus 17 anos. “Comentários falando do meu corpo, insinuando, e eu era muito nova, né? Porque na época eu tinha 16 para 18 então, querendo ou não, é muito nova e você fica recebendo esses comentários. É algo que você fica “será que tá tão vulgar?”, “será que eu sou uma pessoa vulgar?”. Então isso dá uma assustada”, contou. 

A influenciadora também é amiga de pessoas famosas, e conta que a intromissão do público se tornou comum em seu dia a dia: “A invasão das das pessoas na sua vida privada é uma das coisas que eu senti também, porque por ter amigos que são muito famosos, eu às vezes eu postava foto com eles e vinham, tipo, muitos comentários invasivos. Pessoas que falavam umas coisas muito ‘nada a ver’, e isso realmente mexe com a gente, sabe?”. 

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Consequências do hate

Outro exemplo conhecido de superexposição é o caso da cantora Melody, que começou a ficar famosa aos 8 anos de idade. As participações polêmicas da criança dançando e cantando músicas consideradas inapropriadas para pessoas tão jovens, justamente pelo conteúdo sexual e por vezes agressivo, causaram  uma onda de comentários extremamente abusivos. Entretanto, o que mais fica evidente no caso de Melody é o hate recebido pela estrela mirim, quase tão danoso quanto os de cunho abusivo, que podem resultar em medidas extremas por parte das vítimas: o crescimento de ataques virtuais acende alerta sobre suicídio.

A graduanda em psicologia Flávia Antunes fala sobre como a superexposição afeta a saúde mental de jovens. “Não tem uma um manual de instruções, tudo em psicologia é muito caso a caso. Existem estudos que relacionam a superexposição na mídia com maiores índices de ansiedade, mais depressão… Acredito que até em níveis muito grandes casos de suicídio. Mas eu acho que tem muito a ver com a questão da autoestima, de aceitar receber críticas… A questão dos haters que surgiu junto com a internet, também. A saúde mental em si é mais afetada nesse sentido.”, contou. Essa informação também foi trazida em entrevista pela Amanda Pavilião, editora da Revista Responsa Digital, voltada para as notícias de questões digitais e o seu impacto na saúde mental dos usuários.  

Amanda comentou sobre o estudo realizado pelo Centro de Pesquisa Royal Society, que concluiu que o Instagram é a rede social mais tóxica para os usuários, ficando pouco à frente de outras. “Elas (redes sociais) podem deteriorar os seus casos de depressão, ansiedade, pode te provocar muita fadiga… Enfim, são inúmeros os danos colaterais e, quando você entra nesse mundo de superexposição na mídia seja na televisão, mas hoje principalmente nas redes sociais, você fica muito vulnerável”, falou. 

Flávia também falou sobre um possível motivo por trás de as pessoas terem a impressão de que podem simplesmente interferir e compartilhar suas opiniões sobre a vida alheia: “Tem essa questão da dessa proteção que as redes sociais conferem, então você pode falar o que você pensa e dificilmente você vai ter alguma consequência. Em relação a isso, eu sinto que muita gente também acaba projetando problemas seus na pessoa. Então, por exemplo, pode ter um traço que você não gosta em si e, ao ver no outro, quer criticar, né? Essa cultura do ódio ficou meio generalizada”. A estudante de psicologia com complementada por Amanda, que disse: “Quando você começa a ganhar a relevância na internet, parece que as pessoas te tratam muito mais como um personagem do que como uma pessoa – porque elas se sentem no direito de falar coisas para você que, muito provavelmente, elas não teriam coragem de falar pessoalmente. As pessoas vão sentindo o direito de falar qualquer coisa sobre você. Então como que a saúde mental não fica afetada, né?”. 

A editora ainda comentou sobre um estudo de Pondé, em que “ele já falou sobre isso de que o ser humano talvez seja um dos únicos animais na natureza, se não o único, que sente prazer em punir aquele que é igual a ele. Isso a gente pode ver desde a época da fogueira. Desde quando a gente tinha enforcamento em público e agora com as redes sociais. Não é diferente, né? Como se a gente tivesse um enforcamento em público mesmo,, só que esse ambiente agora é digital”. Sobre isso, Maria Laura comentou como faz para cuidar de sua saúde mental: “Foi sempre conversando muito com a minha mãe em relação a isso, ela sempre vendo os comentários também… Foi super importante. E sempre me posicionando, sabe? Mostrando que não vai ser assim, comentar o que quiser na minha foto e é isso”. 

O fato é que a superexposição de meninas famosas não pode ser considerada trivial, visto que por trás de uma figura pública existe uma pessoa de carne e osso. Voltando ao caso de Klara, a Comissão de Ética dos Meios de Comunicação da Associação Brasileira de Imprensa emitiu um comunicado condenando a “exploração de vítimas de violência sexual” por Leo Dias e Antonia Fontenelle. Além disso, a socióloga Maria Victoria Benevides, fundadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, condenou e cobrou punição aos citados comunicadores. Além da divulgação de notícias falsas e a incitação de ódio sobre uma vítima de violência tão séria,  o que aconteceu na vida de Klara – e de todas as jovens estrelas que tem suas vidas invadidas e comentadas aos quatro ventos – pode ser considerada uma brutal intromissão criminosa.

Editado por Nathalia Jesus e Juliano Galisi

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