Sobem os números de vítimas de operações militares nos estados brasileiros, mas a imputabilidade da violência é analisada pelos especialistas
Casos de violência como na chacina da Candelária, no Massacre do Carandiru e nas mortes de Ágatha, João Pedro e Amarildo não são desvios individuais. A falta de fiscalização e atenção para o comportamento policial no Brasil seria o real desvio de conduta do Estado?
Em entrevista coletiva para o Curso de Jornalismo em Guerra e Violência Armada da Oboré, Paulo Oliveira, técnico do Programa com as Forças Policiais e de Segurança do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), disse: “A função da força policial é proteger o cidadão, seja ele quem for. Mesmo que ele esteja em confronto com a lei, sua obrigação é proteger o cidadão, respeitá-lo sempre.”
A tônica da discussão emerge quando pensamos se essa obrigação, citada por Oliveira, é cumprida. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 apontam para um cenário preocupante a respeito violência policial no Brasil. No primeiro semestre de 2020, ocorreram 3.181 mortes decorrentes de intervenção policial. Esse dado corresponde a 12,4% das mortes violentas intencionais no País. Em 2019, a proporção foi de 13,3%.
Para alguns, a figura do Estado assassino é um reflexo do passado ditatorial. A violência vinda de órgãos estatais é uma constante no Brasil. A falta de medidas para investigar o passado, rever atitudes autoritárias e conscientizar a sociedade brasileira das atrocidades cometidas pelo Estado na ditadura civil-militar são fatores que corroboram para o cenário atual.
Para Suzana Lisboa, liderança do movimento de mortos e desaparecidos políticos da ditadura, a falta de punição nos casos ocorridos naquela época é um fator que legitima a violência policial desproporcional nos dias atuais. “Se tivesse feito justiça, não teria hoje essa situação de horror em que a polícia mata os pobres e marginalizados do país, que é uma coisa horrorosa”.
Além do recorte de classe apresentado por Lisboa, a raça também emerge como fator fundamental de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública. Das 6.416 mortes geradas por intervenções policiais em 2020, 78,9% das vítimas eram negras.
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O estudo mostra que falta o reconhecimento do Estado de que não se trata de casos isolados, mas sim de questões estruturais relacionadas a falta de fiscalização das políticas públicas sobre o tema. Afinal, as normas existem, como a portaria interministerial Nº4226 de dezembro de 2010 e a lei 13.060/2014.
“Geralmente retratados como ‘desvios individuais de conduta’, as corporações policiais, o Ministério Público e o Judiciário ignoram que o comportamento policial não é uma extensão de sua personalidade ou de pré-disposições individuais, mas principalmente influenciado pelo contexto organizacional no qual este profissional está inserido”, relata o Anuário.
O CICV atua no diálogo com as forças policiais a fim de conscientizar e aplicar as normas, com base nos Direitos Humanos. Paulo Oliveira, questionado sobre as medidas tomadas em relação às condutas policiais, afirmou que sempre conversam com as autoridades quando percebem que o fator pode ser sistemático. “Quando percebemos que isso é mudança de conduta e tem consequência humanitária nos reunimos com a autoridade para conversar”, atesta.
Quando ocorrem casos em que não houve tratamento adequado do ocorrido, ou seja, não ocorreu apuração, investigação e punição dos policiais envolvidos, Oliveira se posiciona: “O que fazemos sempre com as instituições é fortalecer as corregedorias. Tentamos convencer de que deve existir uma corregedoria forte e independente para que não ocorra nenhuma retaliação”.