Em live especial de ESQUINAS sobre saúde mental, o psicanalista Lúcio Artioli fala sobre o sentido da pandemia e como lidar com a quarentena
“Por mais que as coisas tenham mudado e estejam ruins no momento, isso não nos impede de aproveitar o que temos enquanto isso dura”, afirma o psicanalista Lúcio Artioli dos Santos. Ontem, 24 de junho, na última live de ESQUINAS da série Saúde mental em tempos difíceis: Conversa com universitários, que contou com cinco transmissões ao vivo no Instagram da Revista, o editor-chefe Rodrigo Ratier recebeu o especialista para um diálogo sobre o sentido da experiência durante a pandemia.
O entrevistado de 42 anos trabalha no Instituto Tempos Modernos, que, antes da pandemia, atendia nos estados do Rio de Janeiro – onde mora atualmente – e São Paulo. Ele também é voluntário da ONG “Projeto Girassol”, que oferece atendimento psicoterapêutico para crianças e adolescentes de escolas municipais, que geralmente vivem em favelas e periferias fluminenses e possuem pouco acesso a esse tipo de tratamento.
Lúcio conta que teve de adaptar seu trabalho ao contexto pandêmico, que exclui a possibilidade de encontros presenciais. Assim, ele realiza chamadas de voz e de vídeo com seus pacientes, de maneira a simular as entrevistas preliminares e a etapa de análise.
Introduzindo o debate, ele abordou o texto Sobre a Transitoriedade, de Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise. O especialista traçou um paralelo entre a realidade freudiana – a visão otimista pós-guerra – e a situação em que vivemos atualmente.
Ele é otimista e, assim como Freud, não vê sentido em deixar de aproveitar os momentos – ou até a mesmo a vida – porque terão um fim. “A beleza da coisa é que a gente tem que aproveitar justamente porque vai acabar”, argumenta. “A pandemia deixa escancarado que a morte está em qualquer esquina. A gente sabe que a vida acaba, só não sabe quando. Isso é motivo para nos deprimirmos? Para não aproveitar a vida, mesmo em pandemia? Não!”
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O psicanalista foi contundente ao afirmar que, durante o momento atual, não há uma falta de sentido, mas uma mudança dele – que têm consequências diferentes. Lúcio também atenta para os problemas psicológicos que podem ser causados por não enxergar motivo nas situações: “O que pode acontecer é a depressão. O deprimido é aquele que não consegue encontrar um sentido”.
Ele também acredita que, nesse período, as pessoas estão vivenciando diversas formas de luto, e uma das reações a ele é a negação. “O luto pede palavras, deixa a gente triste e nos faz sonhar. Mas uma das reações mais comuns é negar que perdemos, o que não nos ajuda”.
Lúcio ainda relaciona os sonhos com a circunstância do isolamento social em que nos encontramos. “Não são incomuns relatos de sonhos nos quais a pessoa está na rua, se aglomerando, sem máscara, e, de repente, se lembra da pandemia. Esse é um exemplo de como essas situações sociais acabam afetando o inconsciente”, diz.
De acordo com o especialista, a vivência dos sonhos “é um misto de realização de desejo e experiências aflitivas”. “A pedra fundamental da interpretação freudiana dos sonhos é a realização de desejo. Mas as coisas não se resumem a isso, pode ser que encontremos algo traumático. Nada impede que uma realidade mais aflitiva se enuncie também, a própria realidade que estamos vivendo”.
Ele descreve essa realidade como uma “época de angústia”. “Tem muita gente angustiada justamente porque essa é uma resposta saudável e esperada, já que não sabemos o que irá acontecer”, explica. Ao final da live, ele relacionou esse sentimento a práticas compulsivas, já que “a compulsão é uma maneira de resposta àquilo que causa angústia, falta de sentido, de perspectiva, de certeza. É um excesso para tentar lidar com algo que está ausente”.
Apesar de ressaltar que esses sintomas podem trazer consequências para corpo e mente, o psicanalista afirma que também podem ser utilizados como motor para alcançar desejos. “Todo dia lidamos com alguma pequena perda. O grande lance é fazer com que a angústia — ao invés de ser algo que adoeça –, seja um motor para que a pessoa vá em direção ao seu desejo, que é o que dá sentido para a vida de cada um”, conclui.