"A sensação que eu tive foi de que a vida estava deixando o meu corpo”: Regiani Ritter lembra recuperação da covid-19 - Revista Esquinas

“A sensação que eu tive foi de que a vida estava deixando o meu corpo”: Regiani Ritter lembra recuperação da covid-19

Por Ivana Fontes : abril 26, 2021

Vanguarda no jornalismo esportivo, Regiani Ritter diz que teve medo de estar vivendo seus últimos dias e lembra momentos marcantes de sua trajetória

Farmácia, mercado, hortifruti e açougue. Esses eram os únicos lugares que Regiani Ritter frequentava antes de contrair a covid-19. “Estava tomando todos os cuidados. A roupa ia toda para a lavanderia quando chegava em casa, higienizava tudo”, lembra.

Ícone do jornalismo esportivo brasileiro, Regiani enfrentou o preconceito de uma época que não costumava valorizar o trabalho feito por mulheres, sobretudo numa área de predominância masculina. Sua história foi marcada pela paixão por futebol e o amor à vida.

Após todos os desafios de sua trajetória, não pensou que enfrentaria mais um: ser contaminada pelo vírus. Mas aconteceu. Aos 74 anos, foi diagnosticada com covid-19 e permaneceu internada por 19 dias, que segundo ela, “pareciam ter 40 horas”. Recuperada e em casa, a atriz e jornalista lembra os momentos difíceis que passou. “No terceiro dia de sintomas, fui a um laboratório em Jacareí e fiz o teste PCR. A moça me avisou friamente por telefone na parte da tarde: ‘Dona Regiani, a senhora fez o teste aqui no laboratório. Deu positivo, tá?’”.

Regiani Ritter com o troféu que recebe seu nome

Internação

Com essa informação, a jornalista, que estava numa chácara na divisa de Arujá com Itaquaquecetuba, foi para o Hospital São Camilo, em São Paulo. A médica pediu que ela fizesse uma tomografia computadorizada do pulmão. Foi surpreendida: não tinha nada. Ainda assim, já que havia outras pessoas na chácara, voltou para sua casa em São Paulo, para não colocá-las em risco.

Era um sábado. No domingo, os sintomas aumentaram. Na segunda-feira, voltou ao hospital e foi atendida por outro médico que repetiu o exame. Dessa vez, não restaram dúvidas: “Eu sinto muito, não sei o que houve, estou com a tomo de sábado e a de agora, e é covid”.

Por dois dias, fez o tratamento em casa. Na quarta, piorou de novo. “Eu tossia muito. Tinha dor de cabeça e febre. A sensação que eu tive foi de que a vida estava deixando o meu corpo”, diz. Nesse mesmo dia, foi internada. Acordou com febre muito alta, pegou um táxi e foi para o hospital.

Regiani explica que o processo para ser internada é demorado. Primeiro, o paciente é medicado, depois vai para a tomografia e, em seguida, para a ultrassonografia. “Mas no hospital em que eu estava, não ficou ninguém nos corredores, só funcionários do hospital. Logística perfeita”, ressalta. “Eu só queria ficar sozinha. Deitar, olhar para a parede. Não chorei”.

Dias no hospital

Quando lembra do tratamento que recebeu, a jornalista se emociona. “Eu descobri que vivi enganada esse tempo todo. Quando Jesus veio à Terra, ele tinha 12 apóstolos. Eu estava vivenciando um momento na Terra em que achava que o amor estava desaparecendo por completo”, desabafa. “Dentro do hospital, descobri que houve uma febre no mundo inteiro de humanismo, bondade, generosidade e principalmente aquilo que metade da população não tem: coragem. Então, se Jesus tinha 12 apóstolos, hoje ele tem milhões”.

Relembrando os sentimentos que teve ao ser internada, Regiani Ritter confessa: “Eu tinha certeza que ia morrer. 74 anos, né. Eu já tive doenças que você só controla: diverticulite, hipertireoidismo e tenho válvulas carótidas falsificadas, que foi o que matou o Roberto Avallone [falecido jornalista esportivo]”.

Recuperada, ela afirma que, após os 19 dias em que esteve no hospital, está ótima. Porém, acorda gripada, e se tivesse que falar no rádio, ainda não teria condições. “Eu tive uma queda de audição considerável, perda do paladar quase que total, mas não perdi nada psicologicamente. Vi uma matéria ontem e dizia que parece que há uma nova pandemia no Brasil segundo os médicos: a da ansiedade, de doenças nervosas, medo, entre outras coisas. Eu não tive isso, nem antes, nem durante, nem depois”, relata.

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Trajetória no jornalismo

Aos 11 anos, Regiani Ritter foi morar em São Paulo: “Me apaixonei por São Paulo. Depois odiei São Paulo. Mas eu amo. Morei 4 anos no Rio de Janeiro, morei no Paraná, em Arapongas. Eu não consigo parar.”

Queria ser atriz e pode dizer que conseguiu. “Já fiz uma peça chamada ‘Ascensão e Queda de um Paquera’“. Apesar de ter se cansado da rotina do teatro, continuou atuando por um tempo.

A entrada na rádio, em 1980, foi marcada por um episódio traumático: “Tinha perdido meu marido, a pessoa que mais amei na minha vida em termos de relação entre homem e mulher. Ele morreu aos 36 anos de um AVC, e eu tinha 33. De lá para cá, foi trabalhar, trabalhar e trabalhar”.

Quando ingressou na Rádio Gazeta, já tinha trabalhado na TV Tupi, TV Excelsior e TV Cultura. “No dia que o Pedro Luiz Paoliello [falecido locutor e comentarista esportivo] me convidou para cobrir a ausência de um repórter, eu pensei ‘não acredito, era tudo que eu precisava para sair da rotina’, e lá fui eu”, narra. Começou fazendo um programa de variedades à tarde e no período da manhã era repórter esportiva da Gazeta AM. Entretanto, era folguista, então só cobria os treinos.

“Eu comecei a brigar com o diretor, o mesmo que me convidou, porque ele não me escalava para fazer jogo. No jantar de confraternização da Fundação Cásper Líbero, eu sentei ao lado do Roberto Avallone. Ele disse: ‘Você é a Regiani que está cobrindo futebol na rádio? Você é muito boa! Quer cobrir as férias do Cléber Machado na TV?’”, lembra ela. Depois disso, começou na TV Gazeta, onde foi produtora, comentarista e apresentadora.

Relação com alunos

Há alguns anos, quando propuseram que Regiani Ritter trabalhasse com alunos da Faculdade Cásper Líbero, na Rádio Gazeta, ela respondeu: “Ou eles ou eu”. Mas depois, aceitou o desafio. De acordo com os corredores da instituição e segundo ela mesma, a jornalista é extremamente exigente.

Um de seus antigos estagiários, o jornalista freelancer Guilherme Colucci, de 24 anos, relata: “A Regiani é uma pessoa que não tem medo de dar oportunidade, se ela vê talento em você, te coloca para falar e te dá responsabilidades, trata você como um profissional. Ela cobra muito, exige muito. Durante os quatro anos que tive de convivência com ela,  em nenhum dia sequer eu me senti estagiário, porque ela sempre me cobrou como um profissional”.

“Eu sou chata, mas não tiro o sangue de ninguém”, defende a jornalista. “Tiro o suor e o que eles tiverem de melhor como jornalistas. E se não tiverem, eu vou explicar, vou pedir muitas desculpas, mas vou dispensar”. Regiani acabou se afeiçoando pelo ensino: “Me apaixonei pelos alunos, porque era fascinante vê-los chegarem tímidos, com medo, inseguros, e saírem como aviões voando”.

Mateus Santos, de 21 anos e jornalista freelancer, também foi seu estagiário. Ele comenta que trabalhar com ela foi o maior aprendizado que teve em sua vida profissional e, ao mesmo tempo, seu maior desafio como jornalista. “Ela entende como as coisas funcionam, sabe dos sacrifícios que são necessários para ter uma carreira de sucesso e é uma mulher destemida”.

A “rainha do rádio”, como Mateus a chama, venceu também o coronavírus, depois de todos os desafios que viveu como jornalista esportiva e em sua vida pessoal. “Ela costumava me dizer que se considera uma das favoritas de Deus. Para quem duvidava, as últimas semanas comprovaram isso”, conclui o ex-estagiário.

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