Clube para leitura de autoras completa cinco anos e quebra estereótipos machistas do ramo
Este ano completaram cinco anos desde o primeiro encontro do projeto que abriu muitos olhos e corações para a leitura de autoras de diferentes gêneros e para aprendizados sobre a vida e a própria literatura. Em março de 2015, a consultora de marketing Juliana Gomes, a jornalista Juliana Leuenroth e a transcritora Michelle Henriques deram vida ao Leia Mulheres, realizando seu primeiro grupo de leitura na capital paulista.
A iniciativa, com o propósito de fomentar a curiosidade por ler autoras de obras clássicas a contemporâneas sobre diversos assuntos, foi inspirada na campanha #ReadWomen2014, veiculada em 2014 pela escritora britânica Joanna Walsh.
“Conseguimos mudar o mercado editorial”, diz Michelle, uma das criadoras. Seu objetivo sempre foi difundir livros de diferentes nacionalidades e assuntos, desde HQs a clássicos, passando por suspenses e poemas. Além disso, o trio do Leia Mulheres busca tornar a leitura acessível, com exemplares que sejam disponíveis a todos – já que o grupo é gratuito e aberto a quem quiser participar.
Ganhando o Brasil e o mundo
Elas contam que, no início, era algo pequeno, voltado apenas para amigos. Mas saiu de São Paulo rumo a Curitiba quando a tradutora Emanuela Siqueira, amiga das idealizadoras, levou o clube para a capital paranaense. Depois disso, muitas pessoas de diversas regiões do País começaram a se interessar pelo projeto, que viajou por todo o Brasil. Em 2019, após a adesão do Acre, o Leia Mulheres estava oficialmente em todos os estados e em 130 cidades brasileiras.
O projeto ganhou força também no exterior com o contato de brasileiras que vivem em Portugal e na Suíça, por exemplo. Lá, o clube é coordenado por meio de uma parceria entre as criadoras no Brasil e as moderadoras internacionais.
Todos os grupos são coordenados por cerca de duas mediadoras. Elas marcam os encontros, fazem a curadoria dos livros a serem discutidos e organizam as reuniões. Para se tornar parceira do Leia Mulheres é preciso entrar em contato com as idealizadoras a partir do site oficial e enviar um e-mail, que será retornado com as instruções.
Em 2018, as amigas Lilian Bonfim, modista, e Letícia Weber, psicóloga, começaram um grupo de leitura em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, inspiradas na ideia que, segundo elas, já tinha grande reconhecimento. “Eu achei muito interessante a proposta de serem apenas livros de autoras e centralizar essa questão da mulher”, explica Lilian. Para ela, as discussões vão muito além do livro. O clube é um espaço para desabafos e uma oportunidade de conhecer outros universos. A guarulhense também destaca a escolha por temas diversos, respeitando a iniciativa do projeto original.
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Por que ler mulheres?
Sabe-se historicamente que atividades acadêmicas e intelectuais foram, durante muito tempo, restritas aos homens. Eram usados pseudônimos masculinos nas publicações de mulheres e foi criado o estereótipo de que o único gênero que caberia a elas era o romance. Lilian refuta esse pensamento, reiterando que “existem muitas escritoras de livros diversos, diferente do que se acreditava anteriormente”.
Com uma literatura abrangente, muitas autoras buscam dar voz à figura feminina. “Há sempre uma identificação pelo fato de entender o que é ser mulher e que precisamos compreender umas às outras”, afirma a mediadora do grupo em Guarulhos. Há casos, inclusive, em que a ficção de autoras se relaciona com a realidade, abordando injustiças sociais e levando ao conhecimento das diferenças. Isso faz com que o contato com a leitura seja transformador e proporcione uma expansão de olhares perante o mundo.
Onde ler mulheres?
No Instagram, o Eulittera, perfil da advogada carioca Amanda Titoneli, expõe dicas de autoras e suas obras. A página surgiu como uma ideia de divulgar suas leituras e, depois, tornou-se um espaço para troca de indicações e experiências. A partir daí, Amanda conheceu o projeto Leia Mulheres, do qual participa até hoje no Rio de Janeiro. Para a leitora, “as discussões e o contato com o desconhecido são muito interessantes”.
Amanda desafiou seus seguidores a contarem quantos volumes escritos por mulheres tinham em suas estantes no #desafioeulittera. “O que acham desse desafio: tirar os livros escritos por homens da sua estante para ver quantos sobram?”, escreveu em um post. Sua intenção foi fomentar essa reflexão, trazendo o debate para o cotidiano e tornando-o acessível. “O que eu acho que faz toda a diferença é introduzir essa questão da referência, mostrar que há diversidade”, diz.
Estimular o consumo e a produção de livros de autoria feminina passa por muitas questões, e o objetivo do Leia Mulheres é ajudar esse processo e buscar um equilíbrio na proporção de obras escritas por homens e mulheres. Por isso, em 2019, foi lançado um livro contendo contos de mediadoras do clube, além de autoras convidadas. Seis textos são resultado de concursos promovidos pelo Sweek, plataforma de compartilhamento de conteúdo literário. Os textos caminham entre vários gêneros e representam uma oportunidade de conhecer diferentes produções e visões de mundo.
Leia mulheres indica
Como indicações literárias, Lilian Bonfim citou a HQ Persépolis, de Marjane Satrapi, que aborda a precariedade de sobrevivência durante a Revolução Islâmica no Irã. Michelle Henriques indicou O quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, pois “te obriga a ver uma realidade que você quase não vê, ou não quer ver”. Já Amanda Titoneli mencionou Um teto todo seu, de Virginia Woolf, que representa uma expansão de olhares.
Michelle descreve a trajetória do Leia Mulheres até hoje com a palavra “mudança”. Entende que o mercado editorial mudou e os leitores também. Percebe que editoras e livrarias dedicam mais espaço às mulheres e muitas iniciativas são criadas compreendendo isso. “Eu gosto de acreditar que a literatura também mudou”, completa.
Diante de tudo isso, você já parou para olhar a sua estante?