“Left TikTok”: conheça o lado esquerdista da rede social que bombou em 2020 - Revista Esquinas

 “Left TikTok”: conheça o lado esquerdista da rede social que bombou em 2020

Por Beatriz Kawai, Karina Almeida e Vitória Prates : abril 9, 2021

Jovens produtores de conteúdo de esquerda viralizam no TikTok e defendem que “todo lugar é lugar de se debater política”

O TikTok foi o aplicativo mais baixado em 2020, e ficou associado pelo grande público a vídeos rápidos de coreografias e desafios de maquiagem feitos por jovens. A rede tem um algoritmo de recomendação que considera diversos fatores e que entrega ao usuário um feed compatível com aquilo que ele interage e busca, de inspirações fitness a indicações de livros.

É nesse sentido que surge o #LeftTiktok, o lado esquerdista da plataforma, onde os tiktokers argumentam e explicam noções da esquerda política. A tag tem quase 30 milhões de visualizações e é composta por vídeos de diferentes abordagens, das mais formais às mais irônicas.

Viral da noite para o dia

Muitos criadores de conteúdo no TikTok viralizam da noite para o dia, como o recifense João Pedro Guimarães, de 20 anos. Ele conta que já tinha interesse no tema e opiniões fortes antes de começar os vídeos: “Aqui em casa, todo mundo vai em manifestação. Eu sempre tive um pé na política”. 

Peguima, como é conhecido na rede, entrou em busca de fama. Depois de cerca de sete meses, o jovem começou a produzir conteúdos relacionados à política e não parou mais. “Eu fiquei ‘caramba, é disso aqui que eu gosto de falar’, e o pessoal acabou gostando”comentaHoje, ele acumula mais de 140 mil seguidores.

Com vídeos descontraídos e de, em média, 15 segundos, João não busca ensinar política, e sim quebrar o tabu de que esse um assunto chato.

@joaopeguimacade a turma do paulo guedes? ##politica ##brasil ##leftiktok♬ Shaxicula (Toxic x Love Shack x Dragula) – DJ Cummerbund

Para a estudante de Relações Internacionais, Miwa Kashiwagi, 19 anos, o potencial do Left TikTok é a capacidade de traduzir termos da Ciência Política para uma linguagem jovem e acessível, voltada para um público cada vez mais jovem. “Eu não fui ouvir sobre marxismo até os 16 anos e no meu público do TikTok tem crianças de 12, 13”, diz. “A gente usa memes e instiga a curiosidade delas”, conclui Miwa.

Decepcionada com o atual cenário político, a estudante entrou para a comunidade buscando uma maneira de se expressar criativamente. “Vamos fazer um negócio engraçadinho para eu poder rir disso depois”. Miwa tenta dar explicações breves, porém completas ao seu modo. “Do jeito que eu sou na vida real, eu sou no TikTok”, afirma.

@miumiixobrigada EUA 💖 ##leftiktok ##esquerda ##lefttiktok ##politica ##latinamerica♬ mrblocku says no more fortnite – ethan

De início, ela não imaginava que tantas pessoas fossem se interessar por seus vídeos, mas hoje soma quase 2 milhões de curtidas e 70 mil seguidores. Além disso, Miwa produz conteúdo no Instagram, onde faz stories diários, vídeos em IGTV  e reels e tem mais de 18 mil seguidores. 

 

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Assim como Miwa, a atriz e historiadora Ana Flávia Mourão, 24 anos, surpreendeu-se com a quantidade de pessoas acompanhando seu trabalho. Ela ganhou destaque com um vídeo da fala do presidente da República sobre fraude nas eleições de 2018. “Peguei o que eu sabia da lei de transparência, acesso à informação, fui fazer um pedido e apresentar essas provas. Só que eu decidi postar no TikTok”, explica. Ela optou por essa rede pelo seu dinamismo e facilidade de comunicação.

Hoje, com 29 mil seguidores e um público bem heterogêneo, que vai de jovens a idosos, Ana tenta desmistificar a esquerda por meio de informações e de sua área, a história.

@anaflaviamouraomBora cobrar as provas do Presidente! É nosso direito como cidadão. ##forabolsonaro ##lefttiktok ##esquerdabrasil ##forabozo ##eleicoes♬ Oh No – Kreepa

Política em 60 segundos

Um dos maiores desafios de tiktokers como ele é introduzir temas políticos no tempo reduzido do TikTok – 60 segundos –, sem cair na superficialidade. É necessário entender a plataforma e saber usá-la a seu favor.

Para Arthur Otávio, 22 anos, que produz conteúdo à esquerda da rede, seus vídeos são um “embrião”, o pontapé inicial para que os interessados se aprofundem nos temas. “Se a pessoa gostar, ótimo, e [então] podemos fazer indicações teóricas”, diz.

O mineiro entende que “o primeiro contato tem que ser algo leve” e, por isso, usa a ironia como arma para provocar seus mais de 7 mil seguidores “com uma política mais direta e uma teorização rápida”.

@curihist##politica ##revoluçao ##foryoupage ##lefttiktok ##foryoupage ##pravc ##socialismo ##comunismo ##capitalismo ##fyp ##forabolsonaro♬ original sound – Camila

Em Minnesota, no centro-oeste dos Estados Unidos, a estudante norte-americana de Ciência Política e Psicologia, Hafsa Ahmad, 20 anos, encontrou uma alternativa para fugir da limitação de um minuto nos vídeos do TikTok. Em sua conta, com mais de 34 mil seguidores, a jovem disponibiliza links e PDFs sobre assuntos como comunismo, feminismo e marxismo. “Só estou tentando tornar mais acessível, porque é o que eu gostaria de ter tido”, diz.

@hafsaxhafsaLife is good #leftist #theory #politics♬ original sound – hafsa

Contribuir para a democratização do ensino é um objetivo comum desses influenciadores. “Falar de política para quem já entende disso é fácil, difícil é tentar passar isso de forma acessível para quem não tem esse conhecimento’’. É o que afirma o estudante de Direito, Felipe Lopes, 20 anos. Em seus vídeos, o carioca, utiliza analogias como estratégia para fugir do juridiquês e do academicismo, uma de suas maiores críticas à esquerda tradicional.

@lopesfelipe06É, Flavinho, coisa tá feia 🤔😂 ##leftiktok ##bolsonaro ##fy ##foryou ##fyp ##foryoupage♬ som original – Felipe Lopes

Racismo na rede

Natural do Haiti, mas residente nos EUA, Tin Lange, 22 anos, tem constantemente seus conteúdos removidos. Sob a insinuação de “discurso de ódio” e “bullying”, poucos de seus vídeos chegam ao feed principal, a chamada ForYou Page. Ainda que tenha mais de 500 mil seguidores, desabafa: “Ser não-binário, imigrante e negro torna tudo muito difícil”. Por ser mulher negra, Hafsa também enfrenta dificuldades no aplicativo: “Sempre preciso me censurar”.

@imbigsowhat##whatsthedifference ethnic versus racial culture♬ Blade Runner 2049 – Synthwave Goose

Foi por conta do preconceito racial que o estudante paulista de 16 anos, Enzo Iwamura, entrou na rede. “Comecei a perceber que várias situações que aconteceram na minha vida tinham uma explicação: o racismo amarelo”, explica.

@e.n.zzz.o##stopasianhate ##stopasiancrime ##fyp ##leftiktok ##racismoamarelo ##lefttiktok ##foryou ##paravoce ##fy ##foryoupage♬ original sound – Enzo

Ao abordar suas vivências pessoais em vídeos, ele percebeu que dava luz a certos problemas. “Eu nunca tinha tido um lugar onde eu pudesse falar abertamente do assunto e me conectar com pessoas que também sentem as mesmas coisas. Hoje, procura aprender e ensinar os demais sobre ideologias políticas e igualdade racial. O jovem tem cada vez mais certeza de que está fazendo o bem apenas por “estar incomodando muitos”, o que fica evidente nos constantes comentários negativos em seus vídeos.

Haters e engajamento

Debater e responder é uma forma de estabelecer a argumentação no Left Tik Tok. Dúvidas e visões diferentes são sempre bem-vindas, mas há um limite: o respeito. Ana Flávia Mourão conta que, em diferentes vídeos, há comentários negativos que ela nem responde. Segundo a historiadora, polêmicas e ódio geram engajamento nas redes quando, na verdade, “o ódio tem que ser silenciado, porque a gente não pode tolerar o intolerável”.

Segundo Arthur Otávio, as redes muitas vezes boicotam esse tipo de publicação: “As plataformas continuam querendo que a gente não faça isso”. Por isso, os membros da Left Tik Tok adotam estratégias próprias para alavancar seus conteúdos, desde roteiros até o humor.

Alguns criadores estabeleceram formas de colaboração entre si. Em grupos, eles organizam mutirões, pensam em pautas, discutem e se ajudam na divulgação e engajamento do conteúdo. “Isso é uma coisa que a direita faz há anos. Youtubers de direita sabem o que vão postar e isso gera um mega impulso para a ideologia deles, e a esquerda não tinha isso’’, afirma Miwa. “Coordenar o nosso conteúdo ajuda a fazer frente a esse outro tipo de material que a gente está tentando contrapor”, completa. Hafsa concorda: ““A esquerda em si é sobre comunidade’’.

O Left TikTok foi criado por jovens criadores de conteúdo que querem mostrar, como afirma Arthur, que “todo lugar é lugar de se debater política”.

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