Escritores de poesia explicam como o gênero literário tem contribuído para a saúde mental e enfrentamento da pandemia
“Mundo mundo vasto mundo.
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração”
O que para Drummond não seria uma solução, em tempos de pandemia pode ser a resposta. Desde março de 2020, a saúde mental se tornou um dos temas mais debatidos na sociedade, trazendo reflexões a respeito de produtividade, resiliência e segurança. Para Igor Pires, autor da coletânea Textos Cruéis Demais para Serem Lidos Rapidamente, a poesia teve um importante papel durante essa época de crise: responder “porquês” e proporcionar momentos de felicidade e enfrentamento.
Igor conta que foi através dela que conseguiu se entender e encontrar trabalho: “A poesia é minha profissão, mas também um refúgio. Ela salva as pessoas e vem como um recurso para que olhem para dentro e entendam melhor não só a realidade que estão vivendo, mas também realidades inventadas. Nesse sentido, a poesia pode ser uma ferramenta maravilhosa de criatividade.”
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O autor, classificado pelo portal PublishNews como o escritor brasileiro de ficção mais lido desde o início da quarentena, relata que sempre se depara com pessoas que dizem ter sido resgatadas por essa forma de expressão. “Acho que, no final das contas, a poesia permite que você se salve e salve o próximo. Quando consumimos arte nos sentimos mais preparados para lidar com o outro e enxergá-lo”, diz.
Poesia como forma de descobrir o mundo
Para a jovem escritora Laura Navarro, muitos pré-adolescentes estavam começando a conhecer o mundo quando, de repente, ele fechou suas portas. Nesse cenário, a poesia é uma oportunidade para que esse grupo se encontre de alguma forma.
A autora do livro Matryoshka conta que, na pandemia, mergulhou no universo dos poemas e decidiu criar um Instagram literário. Foi quando percebeu que produzia conteúdo não para os outros, mas para si mesma. Segundo Laura, a poesia tem o poder de deixar as pessoas mais leves. “Vejo como um estilo de vida. Um exercício de empatia e distanciamento. Comecei a ver camadas e a destrinchar as personagens. Olhar aquilo que não nos é dito. Em produções autorais, há um trabalho de autocrítica. Os artistas não publicam a maior parte daquilo que escrevem.”
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A jovem poeta também mencionou a Poetry Slam, competição em que são recitados trabalhos originais – geralmente em linguagem mais acessível e descontraída – e que deve ser retomada após a pandemia.
Poesia e olhar crítico
Contudo, Laura afirma que também é preciso tomar cuidado. Ainda que a poesia seja um ótimo recurso para lidar com esses tempos de crise, é essencial ter um olhar crítico perante aquilo que circula nas redes. Com o aumento da exposição de crianças e adolescentes às plataformas digitais, muitos conteúdos perigosos têm sido publicados, banalizando e incitando comportamentos nocivos, como transtornos alimentares, automutilação e consumo de drogas, sob o disfarce de poemas.
“Quando as pessoas são jovens, elas acham que estão sozinhas no mundo. É por isso que esse tipo de publicação seduz tantos adolescentes. Eles veem que não são os únicos a se sentir daquela forma e passam a acreditar que determinados comportamentos são normais. Romantizar não é exercício de empatia, é se fechar para o mundo. É preciso ter senso crítico”, aponta.
Para Laura, a questão é estrutural e deve se manifestar através do apoio psicológico nas escolas e na exclusão de páginas com conteúdos prejudiciais. A jovem também aborda uma ética de trabalho: “Deve ser publicado aquilo que traga elucidação e discussão. Não o que contribui para o caos.”