Fotografia Cega: fotógrafo com baixa visão relata o cotidiano e desafios dentro da profissão - Revista Esquinas

Fotografia Cega: fotógrafo com baixa visão relata o cotidiano e desafios dentro da profissão

Por Giovanna Dias, Lívia Carvalho e Marcela Almeida : janeiro 21, 2022

João Maia fotografando os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020.

Único fotógrafo brasileiro deficiente visual a cobrir os Jogos Paralímpicos, João Maia é palestrante e ministra workshops sobre fotografia e acessibilidade pelo país.

Dizem que fotografar é se envolver, ir além do que a câmera oferece. Pelas palavras de quem exerce o ofício, para realizá-lo com maestria “É preciso ver o que você não vê quando não é fotógrafo ”, revela João Maia, de 46 anos, ao ser questionado sobre como conseguir o registro perfeito. 

“É preciso estudar seu objeto de trabalho, prever o que acontecerá, e enxergar minuciosamente cada movimento.”

“Não é limitação, é o início”

É essencial conhecer todas as técnicas para conseguir o melhor ângulo. Mas, e quando, em um piscar de olhos, tudo se transforma? O que é a deficiência visual para um fotógrafo? Para João, não é limitação, é o início. Assim nasce a Fotografia Cega, como é conhecido seu trabalho. 

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João Maia fotografando os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020.
Reprodução/Instagram

Tudo começou em 2004 com a uveíte bilateral, inflamação em alto grau que afetou seus olhos. A sequela descolou a retina do seu olho direito, tornando a visão totalmente zerada, e no esquerdo houve lesão no nervo óptico, além do glaucoma, causando a baixa visão.

De dois a três meses, ele visita o Hospital das Clínicas, em São Paulo, para tratar a uveíte e acompanhar a pressão ocular. “Coloca dois dedos na minha frente e mexe eles, eu vou tentar descobrir se é ‘1’ ou ‘2’. Assim é feita a medição dos meus olhos, se chama visão conta dedos”, explica.  “Enxergo vultos coloridos desfocados até 1,5m, depois tudo se funde e só consigo enxergar manchas coloridas”. 

A relação com a fotografia

João é o primeiro e único fotógrafo brasileiro deficiente visual a fotografar os Jogos Paralímpicos. Hoje, seu trabalho é focado em coberturas esportivas, mas, bem antes disso, relembra a relação que estabeleceu com a fotografia na sua terra natal, em Bom Jesus, no Piauí. 

Ainda na infância, após um amigo perder o pai, também fotógrafo, João passou a ter contato com a fotografia ao vê-lo registrar momentos da família. “Conversávamos muito. Toda vez que o via em um evento perguntava sobre lente, a câmera que ele estava usando, recursos. Depois ele abriu um laboratório para revelar fotos”, disse. 

No ensino médio técnico, seu professor de Zootecnia tinha uma câmera profissional, o que o aproximou ainda mais da área. “Minha cidade não tinha nenhum tipo de curso de fotografia, eu me alimentava da forma oral e escrita”.

Com pouca tecnologia ao seu alcance, João escrevia cartas para empresas pedindo material. “Era emocionante chegar em casa e ter um envelope com manuais sobre câmera, explicando o processo dos filmes, a sensibilidade do ISO. Era muito gratificante, ficava eufórico e feliz”, conta.

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O clique nos Jogos

Foi no Rio de Janeiro, em 2016, nos Jogos Paralímpicos, que ele teve a primeira oportunidade de ganhar dinheiro com seu trabalho. “Um diretor de fotografia da imprensa francesa disse que iria comprar uma imagem minha e ele não queria que eu as desse para ninguém”, relembra Maia.

Assim, conseguiu vender seis imagens e, com o dinheiro, comprar uma lente profissional da Canon. “Hoje, eu sei o valor do meu trabalho.”

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Velocistas paratletas do Corredores do Bem.
João Maia

 

Para trabalhar, João carrega duas lentes fotográficas 70–200mm na mochila. Uma mais clara, de abertura f/2.8, e outra mais escura, “menorzinha, bem levinha”, a f/7.4. “Eu tenho uma 50mm 1.4, uma fixa 24mm e uma câmera Canon 7D”, relata o fotógrafo. 

Em sua companhia, o fotógrafo Marcelo Santana, conhecido como Magushi, descreve as situações e o auxilia com os equipamentos. Além disso, o som é peça chave para seus registros, como explica usando como exemplo o goalball, esporte coletivo com bola, praticado por atletas que possuem deficiência visual. 

“A partida começa. Meu amigo, Vinicius Conrado, descreve os atletas e as suas posições. A bola tem um guizo, há conversas e arremessos, o juiz fala ‘out’, que é quando a bola sai para fora. Estas informações sonoras compõem a imagem. Meu guia descreve a cor da pista, da trave, a roupa dos atletas e assim componho minha fotografia”, explica. 

FOTOGRAFIA

Competição de Goalball nos Jogos Paralímpicos do Rio 2016.
João Maia

João conta que, para trabalhar com esporte, apenas entender de fotos não é suficiente. É preciso conhecer as técnicas do jogo para saber o momento ideal para cada clique. Quem vê as imagens captadas por ele consegue identificar não apenas o conhecimento que ele tem sobre o que está representando, mas o que está implícito à imagem.

“Vejo na fotografia dele uma proximidade com o sentimento que o atleta tem no momento, isso transpassa a questão da fotografia”, afirma Magushi. “João tem me ensinado bastante sobre empatia. O respeito em conhecer a história do fotografado faz diferença”, finaliza. 

Em breve, sua vida estará registrada em um livro escrito pela jornalista Luciane Micheletti, que o conheceu em um evento-teste para os Jogos do Rio 2016. “João é uma pessoa exemplar em autonomia e força de vontade. Ele vai à luta sem esperar por ninguém, faz acontecer”, afirma a autora. 

Editado por Anna Casiraghi

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