Por trás das cortinas: a rotina de um circo - Revista Esquinas

Por trás das cortinas: a rotina de um circo

Por Fabricio Colli : novembro 27, 2023

O trabalho em um circo começa muito antes da abertura das cortinas e requer muito amor e dedicação. Foto: Pexels/Sérgio Souza

Como é o dia a dia das pessoas que moram e trabalham no circo, artistas que lutam para que o público receba um espetáculo impecável

A vida no circo exige a total entrega dos artistas e dos trabalhadores responsáveis por preparar o ambiente ideal para as apresentações. Os circenses estão na estrada durante todos os meses do ano, dedicando-se à magia da arte e da diversão, e a rotina corrida desses artistas gera uma  curiosidade por parte do público. Para entender como é a organização de todas as etapas de uma montagem, o Circo Stankowich Pink permitiu que ESQUINAS acompanhasse de perto um dia de show.

O dia a dia no circo

Tudo começa bem antes dos portões se abrirem ao público, no alojamento, local em que todos os envolvidos no funcionamento do circo vivem. As moradias são formadas por carretas e trailers, posicionados em duas extensas fileiras. Neles, todos dormem e viajam de cidade em cidade. O ambiente é acolhedor e familiar, algumas pessoas ficam do lado de fora de suas carretas conversando e descansando, e algo chama a atenção: a existência de uma piscina e de uma mesa de sinuca, usadas como uma forma de passatempo para quem vive ali. O clima de descontração é essencial para a preparação dos shows.

A rotina no alojamento gira em torno dos ensaios e das folgas dos artistas circenses. Nos dias livres, alguns passeiam no shopping da cidade ou visitam parentes, e outros ficam em seus trailers aproveitando o tempo de descanso.

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Apresentação de malabares durante o espetáculo.
Foto: Fabricio Colli/Esquinas

Cristal Sanches, bailarina de 20 anos, nasceu e cresceu no circo, assim como seus quatro irmãos, que hoje estão em circos de diferentes cidades e até mesmo países. Segundo ela, a rotina de viagens pode ser tanto uma vantagem quanto uma desvantagem para quem mora no circo. Ela gosta de estar sempre visitando lugares novos e conhecendo o país, mas não deixa de comentar sobre as perdas que esse estilo de vida pode causar.

A dificuldade de manter amizades e relações com as pessoas de fora da indústria é um desafio, por mais que estejamos acostumados com essa situação. A interferência nas relações pode ser ainda maior quando se vive no circo durante a infância e adolescência, já que, no quesito dos estudos, os jovens circenses são transferidos de escola sempre que transitam entre as cidades.

“Eu concluí todos os meus estudos morando no circo. O tempo que a gente fica na cidade é o tempo que a gente estuda. Depois, pede a transferência. Tem uma lei que ampara a gente, as crianças circenses”, conta.

A estada em cada cidade depende do movimento, mas as passagens geralmente duram entre um e dois meses. A logística do transporte de toda a moradia e carretas que compõem a infraestrutura do circo é essencial para o planejamento anual, mas os integrantes não têm conhecimento de toda a rota e só ficam sabendo o próximo destino quando estão saíndo de seu último endereço.

Luís Antônio, de 46 anos, representa a quinta geração de sua família no circo e segue a tradição de seus bisavós. Ele é um dos pilotos do globo da morte e já praticou quase todas as atividades de acrobacia durante sua vida. Hoje, Luís também é chefe dos caminhões e responsável por sua fiscalização. Ele explica como funciona o roteiro do percurso durante os meses e qual é a programação de montagem e desmontagem.

“Para abrigar um circo como este, a cidade tem que ter acima de 70 mil habitantes. Então é feita uma linha das cidades maiores e a gente vai seguindo ela”, diz.

Além disso, o artista revela o motivo de eles próprios não terem acesso a esse planejamento. “Não podemos ficar sabendo muito antes do próximo local, senão outros circos atrapalham a gente”, afirma, referindo-se à necessidade de manter sob certo sigilo o nome do destino seguinte.

A desmontagem da estrutura começa após a última apresentação, no domingo à noite, e dura em média 12 horas. Já na segunda-feira, todos estão na estrada rumo à próxima cidade. A montagem leva um tempo consideravelmente maior, de quatro dias, e os portões são abertos na sexta-feira.

Após a instalação, a rotina de ensaios pode variar muito. Se um artista já realiza um número há muito tempo, os ensaios não acontecem com grande frequência, podendo ocorrer apenas uma vez por semana. Geralmente, os ensaios são mais abundantes em montagens de novos espetáculos e, nesses casos, um número pode treinos diários.

Leonardo Vinícius, de 28 anos, atualmente é responsável pelas apresentações de disparo de flechas e globo da morte, mas já fez números de salto e trapézio. No globo, ele diz que não precisa mais de ensaios, pois já o pratica há 16 anos e é totalmente familiarizado com todas as funções. Seus treinos se resumem à prática com as flechas, pois o número é uma exibição recém-introduzida nos shows e apresenta alguns riscos. Leonardo precisa garantir a segurança e organização do equipamento, para que as flechas e alvos estejam em ordem no momento dos disparos e as chances de erros sejam menores.

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No circo, os artistas se encarregam de diversas funções, como o arranjo, a montagem e a desmontagem da aparelhagem de seus setores. Além disso, eles são ajudados por pesssoas que trabalham nas “barreiras” – algo similar aos bastidores de um evento – integrantes responsáveis pela coordenação dos instrumentos antes, durante e depois dos espetáculos.

Fábio, de 38 anos, está no circo há pouco tempo e exerce uma função na barreira – a parte que ninguém vê. Ele tem experiência como metalúrgico em parques de diversão e hoje cuida dos aparelhos no picadeiro, mas já treina para rodar no globo da morte.

Dia de show

Enquanto as luzes estão desligadas e o público ainda não chega, a movimentação é grande por trás do palco. Alguns artistas chegam antes do show, sem as vestimentas de apresentação, para organizarem todas as peças do ambiente, enquanto os membros da barreira já preparam todos os instrumentos e os técnicos de luz e som fazem os testes.

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Público aguardando o início do show.
Foto: Fabricio Colli/Esquinas

Quando a bilheteria é aberta, alguns artistas já começam a se acomodar em seus lugares. Os acrobatas, malabaristas, pilotos do globo e vários outros circenses cuidam da venda de brinquedos e comida na arquibancada, antes de se tornarem o foco principal da noite.

Durante o espetáculo, a magia toma conta do ambiente, o trabalho da ambientação de luzes e trilha sonora transforma o clima. Os artistas que se apresentam introduzem a plateia a um novo mundo. Naquele momento, todos os acontecimentos são traduzidos em um único show, que exige dedicação e paixão dos envolvidos.

Editado por Daniela Nabhan e Mariana Ribeiro

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