Viver de teatro no Brasil: “o artista cria na dimensão do intangível”, diz atriz Sandra Loiola - Revista Esquinas

Viver de teatro no Brasil: “o artista cria na dimensão do intangível”, diz atriz Sandra Loiola

Por Giovanna de Souza Bambirra Silveira, Giulia El Houssami, Isadora Mucilo Restiffe e Rhuan Marcos Dantas Teixeira : agosto 22, 2023

“Existem muitas ilusões com relação a profissão de ator"/Foto: Pexels, Monica Silvestre

Com Wicked, Rei Leão e outros grandes musicais, o teatro pouco a pouco retorna aos seus grandes sucessos, em um cenário pós pandêmico

Dia 19 de agosto foi comemorado o Dia dos Artistas de Teatro no Brasil, e apesar de todas as dificuldades na valorização desta arte, os artistas persistem nas suas criações e movimentam um importante segmento cultural do país.

O que é ser ator no Brasil?

“Existem muitas ilusões com relação a profissão de ator, como a de que você não precisa estudar e aí nem todas as cidades do Brasil tem uma formação técnica. Muitos artistas são formados em grupos e o que se ensinam nas escolas ainda são técnicas e processos de quando os pioneiros vieram para o Brasil. Tem artista que não tem consciência do que é arte. É preciso ter uma reforma no sentido profundo do que é a arte dentro da diversidade da realidade que nós vivemos”, relata a atriz Sandra Loiola, de 44 anos.

A falta de incentivos governamentais somado ao fato de muitas cidades não terem um teatro próprio para a realização de manifestações artísticas é um grande desafio para os atores. “Em ativa, a lei Aldir Blanc e a lei Paulo Gustavo possuem muitos atravessamentos, porque a corrupção dificulta muito. Às vezes você consegue fazer um projeto, põe a ideia no papel e ele [o projeto] é barrado por questões de interesses pessoais e egóicos”, afirma Sandra.

A atriz e compositora Bibi Cavalcante explica também que poucos projetos conseguem ser contemplados pela Lei Rouanet, mas, mesmo assim, ela é muito necessária. “Precisam ter mais leis de incentivo. Precisamos delas porque a gente não pode viver em uma margem minúscula de possibilidades”, argumenta.

Concordando com a visão de Bibi, a atriz e arquiteta Amanda Soares explica que os trabalhos dos atores são em grande parte feitos através de projetos, o que acaba tornando a profissão instável. Além disso, o campo artístico vive em constante mudança. A atriz diz ainda que a concorrência é grande entre os artistas, já que as oportunidades são escassas.

“São muitos atores, bons atores, concorrendo pelo seu lugar ao sol, então há uma grande concorrência por poucas oportunidades.”

Amanda complementa, “se você não adquire esse conhecimento, de que a concorrência é grande, dificilmente consegue passar pelos editais”. A atriz alega que outra saída é a autopromoção, usar o próprio dinheiro para produzir seus filmes. “Acredito que temos que exigir que a Lei Rouanet e as demais leis de incentivo tenham que cada vez mais abarcar pequenos projetos, sem grandes nomes no mercado e mais descentralizado do eixo Rio-São Paulo, além de pedir pela volta da Cota de Tela.”

Para o também ator Fernando Silveira: “as leis de incentivo nunca chegam para quem realmente não está na mídia”.  O ator não depende dos incentivos, logo, essa negligência não afeta seu trabalho, já que ele vai atrás sozinho das pessoas e dos espaços. Seu teatro é artesanal. Porém, o caso de Silveira é isolado e não reflete a vida dos milhares de artistas brasileiros.

A desvalorização da profissão

“Isso é bem desmotivador, porque é uma desvalorização sem critério, então é muito inconstante”, defende Bibi Cavalcante em relação à falta de incentivos.

Devido ao não incentivo, as questões contratuais também são comprometidas. Muitas instituições pagam baixos valores e a saída para os artistas é fazer parcerias.

“Tem a visão de que o artista não precisa receber um salário, as pessoas não levem conta que a profissão requer estudo e dedicação. Pagam um valor menor do que o necessário para montar um espetáculo, já precisei tirar do meu bolso para levantar uma peça. Às vezes o artista tem que pensar em tudo, até em logística. Você envelhece como atriz, mas não vai se aposentar como uma atriz”, completa Sandra.

Além da falta de verbas e incentivos, os profissionais da área também enfrentam outro obstáculo difícil e marcante: os estigmas da profissão. “Educação é sempre o caminho! Há uma campanha para descredibilizar os atores e outros profissionais do entretenimento como trabalhadores, mas quando as pessoas entenderem que todo seu entretenimento é construído por várias pessoas, que dedicam horas de seu dia de trabalho duro, acredito que as coisas vão mudar”, opina Amanda.

“Se tivéssemos projetos para artistas, no qual pudéssemos receber para trabalharmos, poderíamos transformar a sociedade através da cultura e da arte”, enfatiza Bibi.

Para Amanda, a pandemia foi um “adiamento de um sonho’’, já que ela foi forçada a parar o seu curso, no meio da formação. “Durante a pandemia participei do Coletivo apenas cenas”, com a diretora Nádia Bambirra e  mais de 80 atores. Fiz vídeos próprios, participei de projetos, como o piloto da websérie “O Prédio” e um estudo do feminino.”Por outro lado, a artista teve a oportunidade de aumentar o seu conhecimento pessoal e amadurecer durante o processo, além de ganhar uma rede maior de relacionamento com outros atores e se descobrir uma artista múltipla.

Fernando também teve a chance de se reinventar na pandemia. Apesar do isolamento ter afetado a sua carreira, o deu mais paciência. Ele conta que realizou muito projetos no ambiente virtual, como seu canal do Youtube “Fernando Silveira ator”, no qual todos os vídeos que o ator já fez estão disponíveis aos interessados.

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Artistas versus influencers

Além disso, a competição no mercado de trabalho é um grande empecilho na hora de exercer a profissão, que está ficando cada vez mais restrita, com a entrada de muitas influências midiáticas em teatro e novelas, como digital influencers.

Sandra conta que já chegou a ser escalada para uma apresentação, fez ensaios, se preparou para o espetáculo, mas foi substituída, sem ser comunicada, por uma outra pessoa com menos experiência, porém com mais influência.

“A adesão dessas pessoas nas áreas artísticas é prejudicial para a carreira do teatro, contribui com a falta de contratação de alguém que realmente estudou para estar ali. Isso implica na visão de que todo mundo é artista e que artista não precisa ter caráter ou ter ética. Muitas dessas pessoas não têm visão de mundo, não tem responsabilidade nem com sua própria evolução”, desabafa.

Ao ser questionada sobre o tema do domínio dos influencers no teatro, Bibi Cavalcante, assim como Sandra, vê isso como um forte problema para o teatro e às artes em geral. “Se aquele influencer não se interessa em aprofundar e estudar e fica em um lugar superficial, ele vai começar a criar um público superficial, que não vai entender o que é o teatro. Não é isso que a gente quer passar no teatro, não é essa a cultura do teatro.”

“Eu já sou ator há 25 anos profissionalmente, eu tenho 59 anos, então mudou muito de uma época para cá. Quando eu comecei a estudar teatro a gente tinha que fazer escola de teatro, passar por uma banca e ser aprovado. Ser sindicalizado, era outro processo, hoje qualquer pessoa que sai do Big Brother ou que faz alguma coisa mais engraçadinha vira ator. As pessoas não tem muita paciência de assistir um espetáculo que não tenha ninguém famoso, ou seja, as pessoas estão indo ao teatro para, não generalizando, serem vistos e não para assistir”, explica Fernanda.

A interessante lógica da atriz e arquiteta Amanda Soares se apresenta contrária em relação à opinião dos outros profissionais entrevistados. “Um estudante de arquitetura não assina o projeto de um prédio? Por que então um não-ator deve ganhar um protagonista na novela? Ainda mais quando esta mesma pessoa tinha à sua disposição dinheiro e tempo para dedicar a formação. É no mínimo contraditório”. A retirada do registro profissional deve valer para todos, já que sem ele o artista não consegue fazer parte de muitos trabalhos.

Elitização do teatro

“A lição mais importante que eu aprendi no teatro é a humildade. Para mim, o teatro nunca foi elitizado, isso é uma fantasia que foi criada”, argumenta Bibi.

Fernando, apesar de acreditar que o teatro seja elitizado, explica que esse fenômeno pode ser extinto a partir do movimento de “levar o teatro para onde as pessoas estão, mais do povo para o povo, como nasceu o teatro, nas ruas”.

Para Amanda, o problema é a falta de hábito. Ela complementa que muitas peças, exceto musicais, possuem entradas bem acessíveis entre dez e trinta reais.

“A luta do teatro é diária e eu nunca desisti do meu sonho porque sou filha da arte. É ter consciência que através daquela mensagem, você vai estar de alguma forma se posicionando, contribuindo para o progresso da arte. Minha presença na arte está para além de querer ser reconhecida porque teatro não é só fama, é se debruçar sobre a alma. Para quem têm ânsia no coração e não se vê em outro lugar, a jornada é longa”, finaliza Sandra.

Editado por Mariana Ribeiro

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