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Por Beatriz Vilanova, Thais May, Heloisa Barrense e Erick Noin Edição #59

Corda bamba

A realidade circense segue permeada por magia e falta de acesso a direitos

Tudo está escuro e, de repente, apenas o centro do palco é iluminado. Os artistas vão tomando o picadeiro, um após o outro. A bailarina é cheia de graciosidade, o malabarista se exibe com o fogo, o palhaço arranca gargalhadas das crianças e os acrobatas e equilibristas se aventuram em grandes alturas. O público fica maravilhado ao olhar o espetáculo e, ao final, as cortinas se fecham mais uma vez. É hora de desmontar tudo e seguir viagem. Assim é a rotina dos artistas que dedicam a vida ao picadeiro, que percorrem o Brasil afora.

Leia dos Santos, trapezista e artista de tecidos do circo Spacial, conta que em uma de suas estréias, a chuva alagou a região e atolou a bilheteria. A solução foi pegar a enxada e puxar o barro para que a água pudesse descer. “Todos põem a mão na massa”.

A estrutura do Circo Spacial conta com cerca de 35 trailers, 22 carretas e mais de trinta toneladas de ferro que a trupe carrega durante a andança. “É preciso ter muita fé, porque você coloca sua casa, com todas as suas coisas na estrada, correndo o risco de sofrer um acidente”, conta Marlene Olímpia Querubim, vice-presidente da União Brasileira de Circos Itinerantes (UBCI) e fundadora do Circo Spacial há trinta anos.

Com uma rotina cheia de surpresas, a vida de itinerante encanta e atrai centenas de espectadores de todas as idades. As pessoas buscam algo que fuja de seus cotidianos, enxergando os artistas quase como super-heróis.

Segundo levantamento da Associação Brasileira de Circo (Abracirco), existem cerca de 180 picadeiros itinerantes no Brasil. Porém, quem conversa com Marlene não sente tamanho desespero em seus planos para o Circo Spacial. Segundo ela, a chave para continuar em circulação e atrair expectadores é usar as redes sociais, como o Facebook e o Youtube.

Além disso, acredita muito na capacidade dos artistas e na qualidade de seus funcionários. “O artista brasileiro é muito criativo, é só perceber o que temos hoje nas companhias do mundo inteiro. Nos destacamos. Por exemplo, temos mais de trinta pessoas que trabalham no Cirque du Soleil. Então por essa alta qualidade, somos referência para muitos lugares. Sempre arrumaremos solução, de uma maneira ou de outra”, afirma Marlene.

Adolescência diferente

Vivendo sob diversas emoções, a trapezista, Leia dos Santos, quando adolescente, descobriu a arte circense por acaso. Orientada a fazer exercício físico por um médico, foi atrás de uma escola de circo, onde se apaixonou pelo tecido. “Treinei por um ano, então o meu professor, que já trabalhava no Circo Spacial, me indicou quando a equipe precisava de alguém nesta área. Vim, fiz o teste, passei e estou aqui há sete anos”.

Fazer planos, para Leia, está fora de cogitação. Sua vida é muito imprevisível e raramente tem certeza se terá disponibilidade para reencontrar alguém na próxima semana. “Eu sempre falo para os meus amigos ‘meu negócio é o agora’”. Essa ausência de rotina é outra razão pela qual decidiu trabalhar como artista circense. “Eu gosto de viajar e me incomoda ter  rotina. Não me agrada esse padrão”.

Independentemente dessa vida alternativa e de perder aniversários de família, Leia afirma que sua decisão de entrar no mundo do picadeiro foi movida pelo amor, “Eu caí aqui e não pretendo sair, só se for para fora do Brasil, nem para outro circo eu quero ir”.

A arte luta

Os picadeiros ainda enfrentam dificuldades no âmbito político. Criado em 2009, a União Brasileira de Circos Itinerantes, busca melhorar a qualidade de vida do circense. Atualmente, muitas das leis que regulam essa atividade são de ordem municipal, o que implica na execução do trabalho dos artistas, já que trocam de município a cada mês e a conquista de todos os alvarás para se instalar em uma cidade pode demorar cerca de trinta dias. Inclusive, o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi criada com o intuito de agilizar as reivindicações.

A educação das crianças é garantida pelas leis federais 301/1948 e 6.533/1978, que inclui filhos de circenses e militares. Qualquer escola pública é obrigada a receber jovens nessas condições. A dificuldade está na adaptação, já que a mudança é repentina e frequente.

Essa falta de endereço também interfere na saúde dos que vivem neste ramo. “Quando íamos fazer a carteirinha do SUS, os postos recusavam, pois não tínhamos endereço“, relembra Marlene.

Outro grave problema enfrentado pelos artistas é a chegada da velhice. Sendo andarilhos, muitos funcionários têm idade para se aposentar, mas, como não possuem uma residência fixa, isso os deixa à margem do benefício de se hospedar em um asilo. Cabendo aos circos serem responsáveis por essas pessoas, mesmo sem as condições ideais.