Data celebrada desde 2016 tem como objetivo levantar discussão sobre as inseguranças, dificuldades e importância de um psicólogo
“Já senti de forma profunda a tristeza da outra pessoa. É como se você mergulhasse junto, mas ao mesmo tempo que está dentro, também está fora da situação”, diz a psicóloga Katia Rodriguez Richieri, de 52 anos. A profissional é testemunha de que a crise sanitária, socioeconômica e política levou não apenas ao crescimento da demanda por atendimento psicológico, mas à carga excessiva de trabalho dos terapeutas e ao convívio intensificado com as angústias dos pacientes.
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, a demanda por atendimento psicológico e psiquiátrico aumentou 82% em consultórios particulares de todo o País durante a pandemia da covid-19. O estudo mostra ainda que 70% dos pacientes que já tinham recebido alta do tratamento tiveram recaídas nesse período.
Essas questões vêm ainda mais à tona hoje, 27 de agosto, no Dia do Psicólogo. A data busca levantar questionamentos e debates acerca da própria condição de trabalho que os profissionais da psicologia têm sido inseridos e ir além de homenagens, incitando caminhos práticos e reflexões.
Dia do Psicólogo
A data de celebração aos profissionais da saúde mental teve origem em 1962 com a regulamentação da psicologia no Brasil pelo então presidente João Goulart, a partir da sanção da Lei 4.119. O decreto, porém, só foi publicado em 1964. Em 2016, mais de 50 anos depois, o ex-presidente Michel Temer aprovou que a data se tornasse oficial e comemorativa em nível nacional. Atualmente, a homenagem anual exerce o papel de remeter à luta de anos dos psicólogos e servir como forma de reflexão acerca da importância da atuação desses profissionais para sociedade.
Importância
A elevação da procura por atendimento psicológico, contudo, não é só fruto da pandemia. Segundo o portal Healthcare, a quantidade de consultas psiquiátricas entre 2014 e 2019 aumentou 44,5%, passando de 3,4 milhões para 4,9 milhões. As consultas com psicólogos seguiram o mesmo fluxo: cresceram quase o dobro no mesmo período, saindo dos 9,1 milhões para 17,6 milhões. Mesmo as consultas de terapia ocupacional tiveram uma alta significativa de 137,8%, quando saíram de 818,6 mil para 1,9 milhão.
Apesar da maior relevância que os cuidados com a saúde mental adquiriram nos últimos anos, ainda é comum o receio de fazer terapia. Muitas vezes, o medo está no julgamento do psicólogo, como se o profissional fosse considerar bobos os problemas levados para a sessão. Para Katia, que atuou por cerca de 20 anos em atendimento clínico, “nada é irrelevante. Tudo é importante. É como se fosse um grande quebra cabeça, no qual tudo faz parte e que no momento certo terá o encaixe que lhe cabe”.
Essas revelações podem passar despercebidas pelo próprio analisado. De acordo com a profissional, pode acontecer do terapeuta ter compreendido algo que o paciente não está preparado para saber: “O segredo é esperar o momento certo para que isso possa vir à tona e seja trabalhado”.
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Outro caso frequente é o paciente mentir para o psicólogo quando não se sente confortável. Se engana quem pensa que pode driblar o terapeuta, pois, na verdade, isso também faz parte do processo. “Podemos perceber essa incongruência, a mentira. Às vezes, o paciente não está pronto para reconhecer e assimilar algum conteúdo”, explica Katia. “As defesas surgem para a sua própria proteção. Pode acontecer que o analisado esteja precisando se fortalecer, preparar melhor o terreno para que possa lidar de forma mais clara e verdadeira com alguma situação que está vivenciando”.
Psicólogo também faz terapia?
Uma dúvida frequente é se um psicólogo pode diagnosticar e tratar a si mesmo. A resposta é não. A especialista afirma que é possível se auto analisar, mas a ajuda de outro terapeuta é essencial, já que existem processos de consciência mais profundos que só podem ser dados através da análise dos pares.
Uma profissão que lida com emoções e situações de outras pessoas requer ajuda também. Kátia explica que fazer terapia é importante para um psicólogo se conhecer melhor, além de ajudar a separar o momento em que se é um profissional do resto do cotidiano: “Isso possibilita manter uma distância saudável para enxergar o todo e ver nele novas possibilidades. O importante é trazer de volta para o consultório, separar e perceber aonde aquela vivência esbarra em você. Dessa forma, consegue-se distinguir o que é do terapeuta e o que é do paciente”.
Ela ressalta que os psicólogos também são humanos e que, independente de vivência ou diploma, todos passam por altos e baixos: “Eu diria que a bagagem da psicologia ajuda a ter mais clareza, mas nem sempre é o suficiente. Às vezes, não é possível reconhecer tudo que há nessa bagagem. Há, sim, muito trabalho e coragem para compreender melhor a si próprio”.