Jovens contam como são os esquemas de festas clandestinas durante a pandemia
395 mil. Esse é o número de brasileiros que morreram em decorrência da covid-19 até o momento. Apesar de trágica, a informação parece não ter impacto em parte da população, que continua frequentando festas clandestinas em todo o Brasil.
Na primeira quinzena de março de 2021, foram registradas 23.315 denúncias por aglomeração em São Paulo. O número de mortes diárias, que atingia quase quatro mil pessoas, não era suficiente para manter as pessoas em casa.
Baladas clandestinas
“No começo, eu fiquei de quarentena, não saía para nada. Tenho conhecidos que iam desde junho para essas festas. Eles postavam fotos e stories, como se não estivesse acontecendo nada. E eu, que criticava, me tornei um hipócrita: comecei a sair também”, diz o estudante de administração Junior*, 20 anos. “Comecei indo ver meus amigos mais próximos na casa deles. Depois, fui a restaurantes, e acabei nessas festas clandestinas.”
Se engana quem pensa que, por serem clandestinas, a divulgação dessas baladas é discreta. “Nas primeiras, era tudo no boca a boca. Mas aí elas começaram a crescer e os promoters passaram a fazer perfis dos eventos no Instagram para divulgar”, relata.
O endereço das festas clandestinas não é revelado no momento da compra dos ingressos, que variam, para os homens, de 500 até dois mil reais por noite – já as mulheres só precisam do nome na lista. “Uma hora antes da festa, começa a circular o endereço de um estacionamento. A gente chega lá, fala que vai na festa e eles deixam entrar. Depois disso, entregam a pulseira, entramos na van e não sabemos para onde vamos até chegar.”
Segundo ele, existem estacionamentos reserva caso o principal seja descoberto. “A polícia deve saber, mas molham a mão deles e tudo continua naturalmente”, diz Júnior.
As festas acontecem em bairros nobres de São Paulo, como o Jardins, e também não têm quaisquer medidas de segurança. “É uma realidade paralela. Todo mundo sem máscara. Se alguém entrar de máscara, vão olhar feio”.
Raves clandestinas
“Parecia que não existia corona”, lembra Marcela*, 26 anos, sobre uma rave no Espaço Arapongas, em Guarulhos, que frequentou em dezembro do último ano. Na mesma época, a polícia impediu que a festa “Epidemia Trance” acontecesse em Ribeirão Preto.
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O estado de São Paulo estava na fase vermelha do plano de segurança e não permitia nenhum tipo de evento. Os organizadores do festival, que levava o nome do motivo da morte de 651 pessoas naquele mesmo final de semana, foram levados à delegacia e autuados.
Frequentadora de festas eletrônicas que normalmente acontecem em sítios, Marcela conta que elas não deixaram de ocorrer devido à pandemia. E ela não deixou de ir. “Tinham umas três mil pessoas e nenhuma medida de segurança. Todo mundo junto, sem máscara, até os seguranças. E estava tudo certo”, diz, rindo.
Alguma preocupação em relação ao vírus? “Lógico que quando voltei, tive medo. Fiquei uma semana evitando contato com a minha família, mas não deu em nada”.
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Bailes Funk
Paredões de som, muita bebida e drogas: elementos indispensáveis quando o assunto é baile funk. Sem máscara e com álcool só nas bebidas, a dinâmica dessas festas continua a mesma durante a pandemia, como conta o estudante Gustavo*, 17 anos. “Não foi nada diferente. Totalmente lotado”.
Os moradores de regiões próximas aos bailes já reclamavam por conta do barulho, que vai até o amanhecer. Mas hoje as queixas se intensificaram pelo descaso em meio à situação pandêmica.
Segundo levantamento da agência Fiquem Sabendo, com dados obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação, as denúncias de pancadões saltaram 82,5% entre março e julho de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior.
Ainda assim, Gustavo diz que as festas “acontecem de sexta, sábado e domingo. Sem medida de segurança nenhuma.”
Festas de Réveillon clandestinas
Em 2020, as badaladas festas de virada do ano que acontecem nas areias das praias do Nordeste atraíram milhares de pessoas, como se não houvesse pandemia. Em Trancoso, na Bahia, o Réveillon foi marcado por filas: de leitos nas UTIs e de jatinhos nos aeroportos.
Praias como Pipa, no Rio Grande do Norte, e Carneiros, em Pernambuco, conseguiram alvarás para a realização de eventos privados. No litoral paulistano, no entanto, algumas comemorações foram canceladas no próprio dia da festa.
“No meio do ano, começaram a divulgar uma festa de ano novo que aconteceria no Litoral Norte. O ingresso era dois mil reais. Como todos os meus amigos iriam, resolvi comprar também”, lembra a estudante de publicidade Melissa*, 18 anos.
Segundo ela, “na época, a quarentena estava mais flexível, e acreditávamos que até o fim do ano já seria permitido”. Mas assume: “A verdade é que não estávamos nem aí. Se não fosse legalizada, iríamos mesmo que proibida”.
Pelo menos era o que eles achavam. “Começou um boato de que os moradores do município haviam descoberto e feito de tudo para o evento não acontecer. 30 minutos antes da festa começar, veio a confirmação: cancelaram a festa. E ninguém recebeu reembolso.”
Melissa conta que todos que estavam na viagem pegaram covid-19, inclusive ela. “Eu passei para o meu pai, que chegou a ficar internado. Só aí a ficha caiu, senti uma culpa absurda. Você só para quando atinge sua família.