Mercado editorial brasileiro vive crise devido à queda na leitura e modelo de comércio
Qando se pensa em hábitos de leitura no Brasil, geralmente se chega àquela velha conclusão de que o brasileiro lê pouco. De fato, nunca se investiu de maneira sistemática na formação de leitores. A taxa de analfabetos é muito alta e alcança cerca de 11,5 milhões de pessoas com mais de 15 anos, segundo dados do IBGE. De acordo com a pesquisa “Retratos de Leitura no Brasil”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública, em 2016, a população lê, em média, dois livros por ano, quantidade baixa se comparada à média de livros vendidos ou até mesmo às listas de leitura obrigatória dos principais vestibulares do País.
Nesse contexto, o mercado literário brasileiro contabiliza perdas sucessivas em seu faturamento. A última queda, referente às vendas de 2018, foi de 0,9%, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas encomendada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e a Câmara Brasileira do Livro. De acordo com João Varella, fundador da Editora Lote 42 e da Banca Tatuí, não podemos analisar apenas queda e ascensão nominais, temos que levar em conta a inflação. “Se a Saraiva vendeu um milhão de reais em 2000, esse mesmo um milhão vale menos em 2019”, afirma.
No final de 2018, Cultura e Saraiva entraram com pedido de recuperação judicial, congelando seus gastos e receitas e deixando as editoras sem pagamento. Segundo o presidente do Conselho Fiscal do Sindicato Nacional de Editores de Livros, Mauro Palermo, a média de leitura não é um problema novo. Com uma taxa de leitura maior, as livrarias brasileiras seriam maiores e teriam melhores condições financeiras. No entanto, “mesmo em países com maior taxa de leitura, observou-se o fenômeno de enfraquecimento das livrarias tradicionais”, explica. Isso, como observa Palermo, corresponde à chegada da Amazon no mercado em 2014, quando começou a vender livros físicos, além dos e-books. O e-commerce é conhecido por descontos que deixam os valores dos livros abaixo dos comercializados pelas livrarias. Isso é criticado por editores e autores defensores da Lei do Preço Único, que infere que todos os livros vendidos na internet devem ter o mesmo valor. “Não adianta ter preço único, no entanto, se a Amazon vai oferecer frete grátis para quem assina o Amazon Prime”, diz Eduardo Lacerda, dono da Editora Patuá.
Na opinião de Elisa Ventura, dona da livraria Blooks, a entrada da rede de vendas online foi importante, mas não determinante para a crise. O efeito Amazon se atribui a fatores como a comodidade de ter o livro entregue em sua casa e a venda de áreas nas livrarias, como a vitrine, gôndolas e espaços de destaque. “No final das contas você está vendendo a sua curadoria. Geralmente, é a mesma editora que vai comprar a curadoria da Saraiva, Cultura e de todas as grandes redes. Se está tudo igual para o leitor, a diferença vai ser o preço e quem tem o melhor preço? A Amazon”, completa Varella.
O mercado procurou alternativas para democratizar o acesso do livro a todos os públicos com os e-books e os audiolivros. Para Varella, o e-book deve ser repensado. “Ele deveria dar uns passos em direção ao videogame e deixar um pouco essa ligação ao impresso”. Outro ponto comentado pelo dono da Patuá é a compra de um produto que não vai ser plenamente utilizado. “Se o brasileiro lê, em média, dois livros por ano, eu não vejo muita razão para essa pessoa comprar um kindle que custa em média 200 reais e depois pagar pelo e-book”.
Para o fundador da Lote 42, a “modinha do audiolivro” não vai pegar porque as pessoas o estão associando à experiência de ouvir um podcast, quando na verdade eles não são a mesma coisa. Ele aposta que o audiolivro deve mirar nas radionovelas e em experiências radicais, como acontece com adaptações de livros, por exemplo.
Para Felipe Teixeira, relações públicas da Livraria Martins Fontes e Editora WNS, é o leitor de best-sellers que movimenta a loja, mas deve-se pensar no outro público também. A dona da Blooks afirma que o cenário no meio literário é resultado de uma série de fatores protagonizados pelas grandes redes que foram arrogantes e prepotentes ao não acreditarem que o mercado estava mudando.
A livraria não é apenas um espaço de venda de livros. Ao longo do tempo, ela se tornou um local de cultura, uma experiência de compra. Essa ideia foi adotada pelas chamadas livrarias independentes. Elas apresentam uma proposta diferente que vai além da venda de livros, com a organização de cursos, saraus, atividades educativas, uma espécie de extensão do livro. Hoje, apostam em uma curadoria que mostra a sua identidade, que foi perdida pelas grandes redes ao longo do tempo. Pensa-se muito na valorização do objeto livro e na sua experiência, ou seja, no ato de ler, que pode ser contemplado com a escolha de um design gráfico e com uma fonte tipográfica diferente para que se valorize o preço investido. “Não é simplesmente imprimir e tocar para a gráfica. É preciso pensar”, finaliza Varella.