Depois de setenta anos, o skate passou de marginalizado a esporte olímpico
O skate está ganhando tanta visibilidade que, a partir das Olimpíadas de 2020, em Tóquio, passará a fazer parte das modalidades esportivas que integram a competição. Serão 80 vagas para os skatistas, 40 para os homens e 40 para as mulheres, sendo 20 para a modalidade street (circuito com escadas, bancos, corrimões e outros obstáculos) e as outras 20 para a modalidade park (que mistura bowls – piscinas – com paredes altas e baixas, além de transições e elementos do street). Os eventos que mais contam pontos para os atletas que desejam disputar as Olimpíadas são justamente a Street League e o Campeonato Mundial de Park.
No entanto, esse esporte nem sempre foi bem visto. Desde que surgiu na Califórnia, na década de 1950, o skate foi discriminado e tratado com descaso. Inventado por surfistas, herdou os preconceitos que o surf sofria naquela época, como ter seus praticantes taxados como pessoas que não trabalhavam, usuários de drogas, entre outros estereótipos. Sem espaço para a prática, os skatistas tinham que usar as ruas e calçadas, o que contribuiu ainda mais para o segregamento do esporte.
Considerado “coisa de marginal”, chegou, inclusive, a ser proibido na cidade de São Paulo em junho de 1988, pelo então prefeito Jânio Quadros. Essa medida foi tomada após skatistas protestarem reivindicando o direito de andar de skate no Parque Ibirapuera, onde a circulação deles já havia sido proibida após reclamações de famílias que frequentavam o local. A medida caiu meses depois, durante o mandato da prefeita Luiza Erundina.
Segundo uma pesquisa encomendada pela Confederação Brasileira de Skate (CBSk) e realizada pelo Datafolha, a média de idade dos praticantes no País é de apenas 15 anos. O levantamento, realizado em 2015, também revela que de cada dez domicílios brasileiros, um possui um praticante de skate, o dobro em comparação com a última pesquisa, realizada em 2009. Nesse mesmo levantamento constava que dentre os praticantes do esporte no Brasil, apenas 10% eram mulheres; em 2015 esse número subiu para 19%. Deise Reis, atual número 10 do ranking da CBSk na modalidade park, disse que, quando começou, aos 15 anos, raras eram as vezes em que via outras meninas andando nas pistas. Hoje, no entanto, esse cenário vem mudando. “Cada vez mais surgem meninas andando e, assim, aumentando muito o nível do skate feminino no Brasil e no mundo”, afirma.
Por meio dos números da pesquisa da CBSk é possível verificar a ascensão dos atletas brasileiros no esporte. Na Street League Skateboarding (SLS) – principal campeonato de skate da modalidade street do mundo –, por exemplo, o Brasil é o segundo país com mais representantes entre os homens e as mulheres, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Esses atletas que representam o Brasil na SLS, tiveram a oportunidade de disputar uma etapa da competição com o calor da torcida brasileira a seu favor. A World Skate (Federação Internacional do esporte) anunciou em agosto de 2019 que a Super Crown (etapa final da competição) seria disputada em São Paulo no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em setembro de 2019. A metrópole também foi sede do Campeonato Mundial de Park no mesmo mês.
Para uma cidade que já teve a prática do esporte proibida em suas ruas, receber eventos desse porte é um grande avanço, como destacou Eduardo Musa, presidente da CBSk. “Trazer esses dois eventos para o País é uma grande vitória. Mas o mais importante é o benefício desportivo que estamos proporcionando para os nossos skatistas graças a essa dupla conquista. Que sigamos escrevendo história dentro e fora das pistas“.
Na Street League, quem mandou bem representando o Brasil foram as mulheres. Pamela Rosa ficou na primeira posição, seguida pela também brasileira Rayssa Leal, de 11 anos, garantindo uma dobradinha brasileira no pódio. Entre os homens, Kelvin Hoefler foi o brasileiro melhor colocado. Ficou entre os oito finalistas, mas não conseguiu um lugar no pódio. Já no mundial de skate park, foram os homens que triunfaram, apesar de o campeão ter sido o norte-americano Heimana Reynolds. O Brasil conseguiu a medalha de prata com Luiz Francisco e a de bronze com Pedro Quintas. Na categoria feminina, duas brasileiras participaram da grande final: Dora Varella, que terminou na sexta colocação e Isabella Pacheco, que ficou em sétimo lugar.
O maior questionamento que surgiu nesse meio foi se, ao se tornar esporte olímpico, perderia sua essência das ruas. O catarinense de 14 anos, Pedro Carvalho, não compartilha dessa opinião. “Vejo como uma oportunidade de o skate crescer muito e ganhar a visibilidade que merece ao se tornar um esporte olímpico”. Atual número 5 no ranking brasileiro de park, Carvalho diz que disputar uma olimpíada é um sonho e está buscando essa conquista. Reis segue na mesma linha do jovem skatista: “O skate é um estilo de vida e quem curte esse estilo não está preocupado com a saga olímpica, então ele sendo ou não olímpico, quem ama o esporte não vai se incomodar com isso, vai simplesmente continuar andando e mantendo a essência do skateboard lifestyle sempre”.