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Por Gabriel Jordão, Larissa Rangel e Laura Slobodeicov Ribeiro Edição #65

A nova onda alimentar

Pratos mais saudáveis são o grande desafio do nosso tempo

Hipócrates, o pai da Medicina, já dizia na Grécia Antiga: “Que teu alimento seja teu remédio e que teu remédio seja teu alimento”. Problemas de saúde, como o crescimento da obesidade, tornam cada vez mais necessária a busca por uma alimentação mais saudável. Um levantamento feito em 2018 pela agência de consultoria Kantar Worldpanel apontou um crescimento de 27% no consumo de alimentos saudáveis (como verduras e hortaliças) nos lares brasileiros em relação ao ano anterior. Um outro dado, publicado em 2017 pela empresa de pesquisas britânica Euromotor International, revela um aumento de 12,3% no consumo de alimentos e bebidas saudáveis (como sucos naturais) em relação aos cinco anos anteriores.

De acordo com Marta Regina Spinace, técnica e professora de Nutrição e Dietética na Etec Benedito Storani em Jundiaí, interior de São Paulo, a globalização permitiu um acesso maior às informações nutricionais dos alimentos que consomem, como quantidade de calorias e métodos de produção. “Outro fator que influencia muito as pessoas a mudarem de comportamento é a aparência pessoal, a conquista de um corpo ideal”, complementa. Spinace trabalhava em uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) no Hospital Paulo Sacramento, também em Jundiaí, onde selecionava os alimentos para refeições balanceadas para seus clientes. “O trabalho de um nutricionista ali é o de cuidar da saúde dos trabalhadores, com o intuito de melhoria contínua da satisfação destes, o que se reflete em aumento de produtividade”, explica. “Comer, onde quer que estejamos, deve ser sempre um prazer”.

Marcia Aparecida Chilio é diretora da consultoria paulista GS&Libbra, especializada na oferta de serviços de refeições para as pessoas comerem fora de casa (foodservice). “De um lado, há os que querem tudo o mais natural possível. De outro, há os que exigem que a indústria seja transparente e informe em detalhes a origem de seus produtos: de onde vem o frango? O animal é criado solto? Injetam ou não antibiótico?”, explica Chilio.

Ela reforça que as grandes indústrias tendem a seguir esse caminho de produção pela questão de mercado – no caso, a procura cada vez maior por esse tipo de alimento. “Há os que querem comer menos açúcar, os que decidiram parar de beber leite de vaca para evitar intolerância à lactose, os que fogem do glúten, os que optaram por não comer nada de origem animal, os que seguem tudo isso ou parte disso só porque está na moda”, menciona. A diretora comenta que os consumidores, despertos e bem informados, buscam inovação, que “as mudanças precisam acontecer na velocidade em que o mundo vem se transformando”.

As grandes corporações do ramo estão compromissadas com esses avanços. A Pepsico, maior empresa alimentícia do mundo, possui o projeto “Performance with Purpose” (performance com propósito), que consiste em uma série de ações no mundo inteiro de conscientização para um uso menor de açúcar, sais e gorduras em seus alimentos. Uma das ações de destaque é ter fechado 2017 com 43% do volume de seu portfólio de bebidas com 100 calorias ou menos de açúcares adicionadas por porção de 355 mililitros. No ano anterior, eram 40%. Por sua vez, a concorrente Coca-Cola publica anualmente relatórios de suas ações ecológicas. O de 2017, o último até o fechamento desta edição, mostrou que a empresa está diretamente envolvida na produção de 29,8% de suco natural no Brasil.

Especialistas apontam que as mudanças na indústria alimentícia provêm do maior acesso à informação, da busca por um corpo idealizado e de consumidores mais atentos a ingredientes in natura e pouco processados
Pepsico / Divulgação

Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostra que, de 2006 a 2016, a obesidade da população brasileira cresceu 60%. Ainda segundo o Ministério, o excesso de peso subiu de 42,6% para 53,8% no mesmo intervalo, ou seja, mais da metade dos brasileiros está acima do peso e se alimenta de forma prejudicial ao próprio corpo. Grande parte dessa responsabilidade vem da indústria alimentícia, mas um pensamento entranhado na vida dos brasileiros também tem culpa nisso.

Para o economista e agrônomo da Universidade de São Paulo José Eli da Veiga, autor do livro Desenvolvimento Sustentável: o Desafio do Século XXI (2005), a preocupação de alguns grupos sociais com alimentos saudáveis não será o suficiente para criar produtos baratos e nutritivos para regiões que sofrem mais com a fome. Existe, portanto, o desafio de alimentar populações carentes com uma comida que chegue rapidamente a eles sem a ajuda de aditivos e conservantes nocivos.

José Antônio Costabeber, presidente da Associação Brasileira de Ecologia (ABE), e Francisco Roberto Caporal, professor na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), relataram no artigo de 2009 Segurança Alimentar e Agricultura Sustentável: uma Perspectiva Agroecológica que mais da metade das produções rurais brasileiras possuem resíduos de agrotóxicos – sendo que cerca de 20% ultrapassa os limites permitidos pela legislação brasileira.

De acordo com Marta Spinace, a indústria e o comércio alimentício atual necessitam alterar o foco ou atribuir mais investimento à área, apostando mais nos “alimentos de verdade” – baseados em ingredientes in natura e minimamente processados. Ela acredita que é necessária a criação de políticas públicas com uma legislação correta que possa ser obedecida junto à regularização da propaganda de alimentos.

Doutora pela PUC-SP e especializada em gastronomia, culinária e mídia, Helena Jacob acredita que um dos maiores problemas para a indústria alimentícia é a publicidade voltada ao público infantil, capaz de induzir crianças por meio de músicas, desenhos e personagens a comerem alimentos ultraprocessados desde cedo ou mesmo pelo oferecimento de brindes nas embalagens desses produtos. Ela também chama atenção ao fato de que não há cobrança correta de impostos sob os produtos brasileiros e que sua rotulagem não ilustra o verdadeiro conteúdo vendido. “Precisamos muito de políticas públicas”, enfatiza a pesquisadora. “Em alguns países, é adotada a sobretaxação de impostos. Na Inglaterra, por exemplo, os refrigerantes são mais caros, assim como os cigarros, no intuito de que o consumo seja desestimulado”.

O grande desafio para a indústria alimentícia nos próximos anos consistirá em atender essa demanda do público imerso em uma sociedade mais atenta ao que come. Ao mesmo tempo, deve buscar alternativas para que o prato da população brasileira seja menos processado, produzido sem agrotóxicos e com menor emissão de poluentes. Os números estão aí para mostrar que o desafio tem que ser aceito se o que a sociedade deseja é um futuro mais verde.