Crescimento gradativo do lixo eletrônico preocupa especialistas enquanto a sociedade ainda não se mobiliza de maneira efetiva para combatê-lo
Dentre os tipos de lixo existentes em nossa sociedade, o eletrônico tem provocado bastante receio entre a comunidade científica. A Plataforma de Aceleração da Economia Circular (Pace) divulgou seu primeiro relatório em janeiro de 2019, no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. A Pace é um grupo que combina esforços das Nações Unidas, do Fórum Econômico Mundial e do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. Ela calculou que o valor do e-lixo – nome utilizado para se referir ao lixo proveniente de smartphones, tablets, notebooks, carregadores – descartado no mundo até a divulgação do relatório ultrapassava 62,5 bilhões dólares, três vezes mais que a renda anual de todas as minas de prata do mundo e maior que o PIB da maioria dos países.
“O e-lixo é o fluxo de resíduos que cresce mais rápido no mundo”, diz o relatório. Estima-se que esse fluxo atingiu 48,5 milhões de toneladas em 2018, o equivalente a 4.500 Torres Eiffel. Geralmente não-biodegradável, ele possui em seus componentes materiais tóxicos como chumbo, que podem acarretar em danos à saúde caso sejam reciclados ou desmontados da forma errada.
Outro estudo que traz dados preocupantes para a questão dos smartphones é a 29ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). O relatório, divulgado em abril de 2019, apresenta um Brasil que atinge a marca de 230 milhões de celulares inteligentes em uso no país. Somados a eles, estão 324 milhões de notebooks e tablets. Números impressionantes para um país cuja população nacional é de 209,8 milhões – 37,8% do total de equipamentos.
Existem alternativas que dão novos rumos a esse tipo de lixo e tentam amenizar seus efeitos ambientais. Uma delas é a ONG Ecodigital, instalada na Vila Maria, zona norte de São Paulo. Com 14 anos de existência, a organização traça projetos que dão uma ressignificação para o lixo. Um deles é o Museu da Informática, localizado na própria ONG e criado a partir da coleta de computadores antigos, rádios, relógios digitais, câmeras fotográficas e telefones.
A iniciativa tem enfrentado dificuldades, como relatou Edivan Jesus de Souza, responsável pelo atendimento ao cliente. Ele lamenta a falta de incentivo por parte do Estado na questão do lixo eletrônico. “Quem nos procura [para realizar parcerias] são sempre as empresas privadas. Não existe nenhum tipo de verba vinda do Estado para ajudar nosso trabalho. Recentemente tivemos que suspender as atividades de nosso museu por falta de estrutura”, revela Souza.
A assessoria da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo informa que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) aprovou uma Decisão de Diretoria em abril de 2018, obrigando os fabricantes de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico – como televisores, celulares e geladeiras – e de seus componentes a implementar um sistema de reutilização e reciclagem do lixo produzido, chamado de Plano de Logística Reversa. “Os resíduos coletados vão para tratamento e destinação ambientalmente adequada, preferencialmente a reciclagem”, escreve. Um dos critérios exigidos e avaliados nos planos de cada empresa são as campanhas de divulgação e orientação do consumidor sobre o descarte consciente dos produtos. “A Decisão de Diretoria da Cetesb trouxe diretrizes aos empreendimentos que não se adequarem ao sistema de logística reversa, que estarão sujeitos a sanções administrativas, no âmbito do licenciamento”, explica a assessoria.
A engenheira ambiental Nadia Valério Vitti reitera a importância do trabalho que tem sido realizado por ONGs como a Ecodigital, mas reforça que não é somente delas o papel de arcar com esse ônus. “Já estamos em vias de mudança, mas ainda convivemos com perfis de consumidor, poder público e fabricante que ficam esperando a solução partir do outro”, critica. Vitti afirma também a importância do trabalho conjunto entre as engenharias. “Elas têm papel essencial para o gerenciamento dos resíduos eletroeletrônicos, pois o caminho está em abordagens multidisciplinares”. É um problema que envolve, portanto, engenharia ambiental, eletrônica e mecatrônica.
Ainda podemos ser esperançosos para o futuro mesmo com um presente incerto. A Pace da ONU representa uma preocupação e uma abordagem global para o problema. A população mundial também realiza protestos ao redor do planeta em defesa do meio ambiente. Um deles é o Fridays for Future (“Sextas pelo Futuro”, em tradução livre), movimento estudantil sueco iniciado em agosto de 2018, quando Greta Thunberg, à época com 16 anos, decidiu protestar toda sexta-feira em frente a sua escola com o intuito de defender o meio ambiente e alertar os governos sobre as mudanças climáticas. Em 24 de maio de 2019, 128 países – inclusive o Brasil – mobilizaram uma megamanifestação ao redor do globo pela causa ambiental. A contagem inicial do movimento apontou que 300 mil jovens aderiram à paralisação, número que mais tarde cresceu com mais manifestantes nas Américas. Outra greve mundial está programada para o dia 20 de setembro.
O que não parecia algo tão sério 75 anos atrás, antes da invenção dos computadores e celulares, hoje é motivo de preocupação. Não se esperava que o futuro do meio ambiente estaria naquilo que hoje vive constantemente em nossas mãos.