Negros representam a maioria dos presidiários no superlotado sistema carcerário brasileiro
Seletividade penal não é um termo que escuto desde cedo. Quando criança, minha mãe nunca me orientou sobre como um celular mal posicionado na cintura poderia gerar minha morte ou que um guarda-chuva poderia ser confundido com uma arma. Diferentes de mim, outros jovens negros que moram na periferia convivem com o medo diário de serem perseguidos simplesmente pela cor da pele.
Ninguém me contou, de fato, o que é seletividade penal, mas ela sempre esteve ali, escondida no meio de tantos acontecimentos do nosso cotidiano. Estava ali quando a modelo Bárbara Querino, em 2017, foi condenada por roubar um carro sem estar na cidade no momento do crime. Estava ali quando Rafael Braga foi preso por carregar Pinho Sol, confundido com um coquetel molotov, e o único condenado nas manifestações de 2013. Estava ali em muitos outros momentos.
A eliminação de corpos negros é cada vez mais comum e algo muito mais complexo do que podemos imaginar. O caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018, e os 80 tiros neste ano que mataram o músico Evaldo Santos Rosa falam por si só. Entre negros e negras que eu conheço (me incluindo), o medo da repressão de autoridades é enorme.
Os casos de pessoas que já sofreram são diversos, mas os acontecimentos corriqueiros me revoltam ainda mais porque me fazem enxergar o privilégio que pessoas brancas têm na sociedade. Tem quem acredite que a lei é para todos, mas a atual população carcerária do Brasil está aí para provar totalmente o contrário.
Segundo a pesquisa realizada em 2016 pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 64% dos presos são negros, enquanto apenas 35% são brancos. As prisões estão superlotadas. Quem acredita que o sistema carcerário beneficia os presidiários ao proporcionar comida grátis, local para dormir e auxílio-reclusão, não conhece a realidade precária das prisões brasileiras.
A desumanização dos negros não é de hoje. Está relacionada à escravidão e ao racismo estrutural que temos que enfrentar diariamente. Até quando verei pessoas da minha raça morrendo? Até quando verei a ausência de perspectiva na vida dos jovens negros? Infelizmente, o crime e a seletividade penal têm cor. E se não tiverem, farão de tudo para que tenham.