Decisão do Ministério da Saúde de reconhecer o termo “violência obstétrica” tem implicações nos partos do País
Desde que os homens tomaram o poder da Medicina, o modo de parir foi submetido a mudanças drásticas. O espaço e as posições foram modificados para agradar aos médicos. As intervenções se tornaram maiores, sem necessidade, sob desculpa de ajudar a mulher: acelerar o processo com hormônios sintéticos (como a ocitocina) ou romper a bolsa fazendo manobras agressivas e episiotomias de rotina (cortes na região do períneo), entre outras violências silenciosas.
A mulher – que era agente ativa do parto – foi aprisionada em uma cama de hospital enquanto seu corpo foi assombrado por todos esses procedimentos, obrigada a se tornar vítima calada. Práticas que poderiam ser usadas para salvar vidas se transformam em arma de controle e violência. Violência obstétrica.
Jamais esquecerei a mulher que, em seu parto, me implorava “não me deixa gritar”, com medo de sofrer ataques da equipe do hospital. Ou então, o médico que gritava “Para de gritar, você não sabe parir”. Esse mesmo médico fez uma episiotomia, sem explicar à gestante, apenas para ensinar a residente que o acompanhava. A gestante gritou durante toda a sutura feita em partes sem anestesia, por erro da residente.
Mulheres que foram deixadas banhadas pelo próprio vômito. Mulheres que imploravam para que os exames de toques não fossem feitos no meio da contração – e não foram respeitadas. Mulheres que estavam com ocitocina sintética na veia há horas achando que aquilo era “apenas um sorinho”. Mulheres que chegavam na sala de parto sem saber o que aconteceria nas próximas horas. Mulheres que imploravam para o parto acabar logo, apenas para pararem de sofrer, e que no fim não queriam sequer ver seus filhos.
Mulheres violadas, cansadas e humilhadas. O que vi nos partos do hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), onde sou doula voluntária, profissional que assiste a gestante, não é exceção. Nem exclusividade do SUS. A violência obstétrica está presente nas salas de parto e de cesarianas de todo o Brasil. E apagar esse nome do nosso dicionário não fará o problema sumir.
O Ministério da Saúde quis abolir o termo “violência obstétrica”, considerado “impróprio” em comunicado lançado em maio de 2019, mas em junho voltou atrás. Se ele negar que temos um problema estrutural enraizado na forma com que os partos são assistidos no Brasil, muitos Felipes vão nascer sob o grito de dor de suas mães. Samuel não será o único a ter o colo negado porque a mãe não tem forças depois de oito horas de tortura. Bárbara não será a única a sentir que seu corpo não lhe pertence após seus gritos de “pare” serem ignorados. Maria será mais uma das mães que choram para que aquilo termine. Estes foram alguns bebês e mães que acompanhei como doula.
É preciso eliminar a violência obstétrica no Brasil, sim. Dos hospitais, não do dicionário.