As dificuldades e os diferentes pontos de vista na alfabetização infantil de surdos no Brasil
“Preguiçoso e vagabundo”. Foram as palavras ditas a Neivaldo Zovico, quando criança, por um professor durante seu processo de alfabetização em uma escola para ouvintes. Surdo, hoje Zovico é diretor da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) e leciona matemática para pessoas como ele.
Histórias como essa acontecem há décadas e ilustram os grandes desafios na alfabetização dessas crianças, que se encontram prejudicadas no acesso a uma educação especializada. Até 2015, os cursos de licenciatura e Pedagogia no Brasil deveriam contratar um profissional da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Em 2016 entra em vigor a Lei Brasileira de Inclusão, e a discussão da acessibilidade passou a nível Legislativo.
Entretanto, a lei não é totalmente aplicada na realidade. A pedagoga especialista em surdos Ana Paula Penesi conta que as aulas não são preparadas para recebê-los. Estas carecem de conteúdo, pedagogias visuais e explicações concretas. Muitas instituições de ensino não oferecem assistência pedagógica, professores preparados e intérpretes disponíveis. O processo de alfabetização também deve ser levado em conta. Com diferentes pontos de vista, familiares, professores e fonoaudiólogos divergem sobre qual seria a melhor metodologia para alfabetizar crianças surdas. Os métodos mais comuns são por meio da oralização ou do ensino de Libras, também podendo existir um meio termo: o ensino bilíngue.
Lidiane Florindo, mãe de Gabriel, de 4 anos e nascido surdo, teve dificuldade em achar uma escola que o aceitasse. Ela optou por educá-lo apenas por via da oralização. A decisão foi para melhor inseri-lo na sociedade, diz. “Vou poder dar a ele uma vida inclusiva e sem limitações”. Gabriel passa por fonoterapia e está começando a assimilar os sons, mas ainda precisa compreendê-los na íntegra.
Pricila Tarifa, mãe de Heitor, de 10 anos, também optou pela oralização. Aos 3 anos, Heitor passou por um procedimento cirúrgico de implantação coclear, que proporciona uma sensação auditiva próxima à real. Tarifa acha que quem escolher pela Libras tem uma vida mais restrita, pois depende de outros que conhecem a língua. “Desde o início fomos instruídos de que deveríamos tratá-lo como ouvinte e colocá-lo numa escola regular para que não o inibisse no desenvolvimento da fala”, relata a mãe.
Renata Quagliato, fonoaudióloga especialista em educação inclusiva, ressalta a falta de aceitação dos pais como um motivo prejudicial para a alfabetização. “Muitos optam pela implantação [coclear] e tratam o filho com um viés oralista, fazendo-o falar e oralizar. A criança não compreende e não desenvolve uma linguagem”. Quagliato conta que muitos pacientes chegam a seu consultório com 5 anos de idade sem noções básicas de como se comunicar.
Rita de Cássia Freitas trabalha há 30 anos com crianças surdas e é professora de uma das seis escolas bilíngues de São Paulo, a Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos (Emebs) Helen Keller. “Muitas crianças chegam na escola com 4 ou até 6 anos sem saber a língua deles, Libras. Isso ocorre principalmente por serem crianças surdas de pais ouvintes”, explica. Enquanto familiares e profissionais são contrários a uma educação por meio da Língua de Sinais com medo da criança “perder a fala”, Zovico afirma não ser verdade. Para ele, é importante que a criança conviva com outros surdos e estude em uma escola bilíngue. “Libras é autonomia e liberdade”, explica o educador.