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Por Leonardo Godoy e Tiago Tortella Edição #65

Dilemas de um mundo de plástico

Um dos produtos mais revolucionários do século XX ameaça o futuro da humanidade

Todo o plástico já produzido pelo ser humano ainda está por aí. Isso porque essa substância demora cerca de 400 anos para se decompor, podendo variar de acordo com a sua espessura. Proveniente do petróleo, recurso natural não renovável, é um dos materiais mais utilizados no mundo atual, bastando olhar ao redor para perceber isso. Segundo relatório de 2018 publicado pela multinacional do setor de energia British Petroleum (BP), o petróleo se esgotará da face da Terra em 53 anos. Como a sociedade sobreviveria, portanto, sem matéria-prima para a produção de plástico e sem um descarte consciente deste?

O plástico sintético surgiu em 1907 como alternativa para outros materiais. Desde então, é produzido em grande escala e sua demanda só cresce. Em 2017, foram produzidas mais de 340 milhões de toneladas pelo planeta, de acordo com a federação europeia PlasticsEurope. Só de garrafas plásticas, um milhão foi comprado por minuto no mesmo ano.

A brusca transição entre o abandono de outras matérias-primas para a incorporação do polímero – material à base de petróleo de onde se origina o plástico – foi mal pensada e executada. Não se planejou o que fazer com seu descarte. Segundo um relatório publicado em março deste ano pela ONG World Wide Fund for Nature (WWF), o Brasil é o quarto país que mais gera lixo plástico no mundo. São cerca de 11,3 milhões de toneladas ao ano, o correspondente a cerca de um quilo por semana para cada brasileiro. Pior: apenas 1,28% desse montante – aproximadamente 145 mil toneladas de plástico – é de fato reciclado.

Metade dos itens plásticos produzidos no mundo tem vida útil de menos de três anos. Desses, 40% são de uso único, como mostra o estudo da WWF. A má qualidade do produto também faz com que 60% do que é coletado não seja incinerado. “Talvez o caminho seja o inverso, que o material seja de melhor qualidade, pois será mais facilmente reciclado. Sacolinha plástica é praticamente impossível de se reciclar. A ideia é trabalhar com o design das embalagens para que sejam melhor reutilizadas”, comenta Caio Salles, criador do Projeto Verde Mar, instituição voltada para a educação ambiental e conscientização sobre o lixo marinho.

Segundo o relatório da PlasticsEurope, mais de 8,4 milhões de toneladas de embalagens plásticas foram coletadas para reciclagem em 2016. O problema é o quanto desse montante está apto para o reuso, visto que, quando descartado irregularmente e sem planejamento, esse material é contaminado e não pode ser transformado em um produto secundário devido a normas de saúde e segurança. Outro fator que fomenta a criação de mais “plástico virgem” em vez da compra de produtos secundários é a queda no valor do petróleo. O preço da reciclagem em grande escala ainda não é vantajoso. A WWF calcula um custo operacional de cerca de 924 euros (pouco mais de 4.025 reais, segundo cotação de junho de 2019) por tonelada métrica. O retorno com o produto é de apenas 540 euros (2.352 reais) por tonelada métrica.

O preço também é alto porque a coleta seletiva é um processo muito custoso. Nela se deve evitar o contato com substâncias tóxicas. O relatório da WWF aponta que 75% de todo o plástico produzido no mundo desde sua invenção já virou lixo. Anualmente, dez milhões de toneladas do polímero vão parar no oceano, o que agrava, entre outros problemas, a contaminação dos mares por microplástico, conforme se pode ler na próxima reportagem.

“Vivemos em uma sociedade de muita desorganização. Qualquer falha na cadeia faz o material ir para o mar”, explica Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Para ele, é necessário investir na economia circular, na qual um produto é coletado, reutilizado e transformado em algo novo. O pesquisador explica ainda que um desestímulo para a reciclagem é a dupla taxação: a primeira quando o objeto é criado e a segunda ao ser revendido. Isso mostra a necessidade de uma legislação que incentive a reciclagem embasada cientificamente.

Países ricos produzem dez vezes mais resíduos que países de baixa renda, porém ainda não reciclam o suficiente em relação ao que geram. Os Estados Unidos, por exemplo, é o país que mais produz lixo plástico, mas só recicla 37% de tudo que fabrica. A WWF determina que esse índice chegue em 60% no mínimo para que o processo de reciclagem tenha impactos ambientais minimamente satisfatórios.

Arte de Henrique Artuni

Estima-se que até 2030 a poluição plástica dobre no planeta. Só nos oceanos, esse número corresponderá a 300 milhões de toneladas métricas. Milhares de animais silvestres morrem todos os dias pelas complicações causadas pelo contato ou ingestão com o lixo. Ainda segundo a WWF, mais de 270 espécies de mamíferos, répteis, aves e peixes sofrem com o enredamento, presas em redes plásticas. Ao mesmo tempo, mais de 240 espécies foram encontradas com o polímero no estômago. Confundido com comida, o material pode causar úlceras, enforcamento e bloquear o trato digestivo, matando vários tipos de animais de fome.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a poluição por plástico gera mais de oito bilhões de dólares de prejuízo à economia global. Os setores mais afetados são o pesqueiro, comércio marítimo e turismo. Paraísos naturais como Fernando de Noronha cogitam proibir a entrada de plásticos descartáveis. O arquipélago não possui um sistema de coleta seletiva.

Principais responsáveis pela distribuição de plástico no mundo pelas embalagens de seus produtos, grandes empresas do ramo alimentício se sentiram na obrigação de diminuir os impactos do polímero. Em dezembro de 2018, a Nestlé – uma das maiores processadoras de alimentos do mundo, segundo ranking Global 2000 da revista Forbes –, anunciou a criação de um centro de pesquisa para redução de danos. O Nestlé Institute of Packaging Sciences pretende fazer com que todos os produtos da marca sejam feitos de materiais recicláveis ou reutilizáveis até 2025. No Brasil, o Nescau Prontinho já é vendido sem canudinhos plásticos desde fevereiro deste ano.

Os tipos mais comuns de plástico encontrados nos oceanos são polietileno (PE), polipropileno (PP), policloreto de vinila (PVC) e politereftalato
de etileno (PET)
Pixabay

Os governos também são fundamentais no combate à poluição. Tanto a União Europeia quanto as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo proibiram canudos plásticos. Entretanto, os países desenvolvidos exportam cerca de 25% desse tipo de lixo para os pobres. A fim de evitar que o material chegue aos que não têm sistemas de coleta e reciclagem desenvolvidos, foi firmada em março de 2019 a Convenção da Basileia. Nela, fica acordado que os 187 países signatários não podem receber lixo plástico sem consentimento de seus governos. Antes, países em desenvolvimento recebiam, via empresas privadas, lixo plástico de menor qualidade indiscriminadamente.

O Brasil foi um dos que não aceitaram a resolução. “Essa é uma decisão do governo brasileiro que contrapõe os princípios baseados na lógica e na ciência”, afirma Alexander Turra, do IO. Uma tentativa de resolução federal é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela lei federal 12.305, de 2010, que tenta reduzir a geração de resíduos. Caio Salles, do Projeto Verde Mar, e Turra concordam que a poluição é um dos principais problemas enfrentados pela humanidade atualmente. “É necessário repensar o nosso modelo de sociedade, repensar os nossos padrões de consumo. Nada é sustentável da maneira como consumimos, como produzimos resíduos”, afirma Salles.

Em São Paulo, por exemplo, o governo estadual atribuiu à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) a aplicação dessa política federal. Marcos Penido, responsável pelo órgão, informou algumas diretrizes a serem seguidas. “[Vamos] apoiar medidas para adequar as instalações irregulares de disposição final de resíduos sólidos; incentivar a pesquisa e desenvolvimento, de novas tecnologias para o tratamento e destinação final dos resíduos sólidos; apoiar a melhoria das atividades de coleta seletiva, reuso e reciclagem dos resíduos sólidos e fomentar a transição para uma economia circular”, explica à reportagem de ESQUINAS.

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Uma solução possível para o problema é a implementação do plástico biodegradável, que se degrada em gás carbônico e água na natureza. Caio Salles alerta que ainda é necessária mais pesquisa acerca do polímero. “Plástico biodegradável na maior parte dos casos é uma enganação”, critica. “Se for um oxibiodegradável, o nome mais correto seria biofragmentável. O que acontece é que ele se fragmenta mais facilmente, mas o plástico ainda está lá, o polímero ainda está lá, vira microplástico mais rápido. Para ser biodegradável, ele precisa ser cem por cento orgânico”.

Já há pesquisas quanto à utilização da fécula da mandioca e de alimentos que possuem amido em sua composição, como milho. Em outubro de 2018, a estudante de 16 anos Maria Pennachin desenvolveu um canudo à base de inhame que é biodegradável e comestível. A aluna do Colégio Estadual Culto à Ciência, em Campinas, expõe a descoberta em uma feira de ciências em Abu Dhabi em setembro deste ano.

Ao ser questionado sobre um possível fim do uso de plásticos da maneira como é feito atualmente, o secretário do Meio Ambiente do município de São Paulo, Eduardo de Castro, afirma que houve vantagens com a adoção do plástico. “Ele trouxe muitos benefícios, por exemplo em higiene nos serviços de saúde. Mas seu descarte como resíduo não aproveitado, precisa de medidas que impeçam a poluição que causam”, observa. Ele ainda reconhece que, apesar de enxergar os problemas do plástico e seu descarte, o ideal não seria deixar de usá-lo por completo. Isso traria de volta rejeitos inutilizados da indústria do petróleo.

“Podemos voltar ao tempo do vidro, como usado antigamente para o leite, para o caso dos vasilhames que podem ser retornáveis. Também podemos evitar a aquisição de materiais com excesso de embalagem, optar por alimentos vendidos a granel [sem a embalagem] e, quando necessário, substituí-lo por versões feitas em outros materiais”, propõe o secretário.

Miguel Bahiense, diretor da Plastivida, ONG paulistana especializada em pesquisas para a educação ambiental, cita o caso dos copos únicos, em escritórios, estádios de futebol e shows, mesmo que feitos de plástico. “Quando você pega um copo de vidro, cerâmica ou mesmo de plástico reutilizável, no momento da lavagem, é gasto mais água do que a capacidade daquele copo tem de te servir”, ressalta. Um estudo realizado pela ONG mostra que, para lavar um copo reutilizável de 200 mililitros, gasta-se 1.700 mililitros de água. “É difícil ter essa relação de consumir um volume ‘X’ de água sendo que se gasta muito mais para lavar aquele produto, é um cuidado que precisaríamos ter”.

O plástico é uma das mais importantes invenções da humanidade. Revolucionou todas as indústrias e alterou o padrão de vida de toda a população. Porém, já passou da hora de repensar as relações de consumo com esse material. O que foi criado para ser uma alternativa se tornou também um problema a partir do momento que passou a ser utilizado indiscriminadamente e em grandes escalas. “Não há uma solução simples para um problema tão complexo, já que muitas variáveis precisam ser contempladas. Cada tipo de utilização de plástico implica um diferente tipo de solução”, diz Castro. Em sustentabilidade ambiental, muito se fala dos “três erres” – reduzir, reutilizar e reciclar –, mas os métodos para enfrentar a problemática do plástico estão longe da efetividade necessária.