Diversidade e resistência marcam a história da feira de artesanatos da Praça da República
Entre cinemas eróticos, prédios históricos, hotéis decadentes e agências bancárias antigas do Centro de São Paulo, está a Praça da República. A feira de artesanato que ocorre ali todo domingo é uma expressão da pluralidade e diversidade da metrópole. Desde sua formalização em 1968, tornou-se parada obrigatória de turistas e residentes da cidade, apesar de poucos a conhecerem.
Uma das feirantes é Kirna Rivas, chilena que reside no Brasil há 32 anos e trabalha na feira faz três décadas. “Eu vim para a feira porque eu tinha uma amiga que trabalhava aqui e que vendia muito”, recorda. “Meu marido trabalhava, e eu ficava sozinha. Vi que ela ganhava bem, tirei a licença e comecei a ganhar dinheiro e independência econômica”. Rivas vende placas artesanais, chaveiros, estatuetas, abridores de garrafa e afins, a maioria com o Brasil como tema.
Em novembro de 1956, muito antes de Rivas, o colecionador J. L. Barros Pimentel chegou na praça a fim de trocar selos com outros simpatizantes da filatelia. Artesãos, músicos e outros artistas, conhecidos em seu meio ou anônimos tentando ganhar na vida, também passaram a se reunir todo domingo para vender seus produtos. Mas o grupo era malvisto pela burguesia local. Os boêmios da República encontraram salvação em uma figura do meio militar: o prefeito José Vicente de Faria Lima, membro da Força Aérea nacional. Mais aberto ao mundo moderno, em 1968, Faria Lima baixou um decreto que autorizava a Feira de Arte da Praça da República aos fins de semana.
Entretanto, aqueles que estão lá desde a sua oficialização não a veem mais como antes. “Comecei a vender aqui porque artista tem que mostrar os seus trabalhos, uma coisa que você quer mostrar para o pessoal”, comenta o pintor autodidata Waldir Ribeiro. “Só o fato de a pessoa gostar já é grande coisa”. Ele é um dos que sente a diminuição dos frequentadores da feira, que hoje ocupa apenas metade da calçada da praça.
Organização é a palavra de ordem na Feira da República. Com a ajuda da Prefeitura de São Paulo, os vendedores realizam uma eleição de dois em dois anos para definir seu coordenador, responsável por definir a articulação do evento, como será a divisão de barracas, em qual área os feirantes ficam, entre outras ações. São separadas quatro seções: o artesanato é maioria e tem barracas de lona branca; as pedrarias, lonas verdes; os itens colecionáveis (como notas, moedas e selos) ficam em barracas beges; por fim, as pinturas não possuem barraca própria, ficam expostas ao ar livre. “Essa organização garante uma atuação mais harmoniosa dos vendedores”, explica a vendedora de bolsas Cida Silva. “Mas as barracas misturadas dariam mais diversidade para os clientes”, critica.
Os feirantes desembolsam parte de seus lucros para que as barracas sejam erguidas, desmontadas e guardadas em um galpão nos arredores da praça. Também contratam seguranças particulares para manter a ordem no lugar, o que diminui a incidência de pequenos roubos. “Sem os seguranças, nós estamos fritos. Se você chegar aqui às 17h30, pode prestar atenção, os ‘noinhas’ passam aqui e ficam olhando. Se bobear, eles levam embora”, acusa Osório Silva, atual coordenador e casado com a vendedora Cida.
Quase 30 anos após a inauguração da feira, o então prefeito Celso Pitta decretou seu fim. “A República se tornou ponto de tráfico de drogas e de acúmulo de sujeira”, alegava Pitta, segundo a edição de 24 de novembro de 1997 do jornal Folha de S.Paulo. Osório Silva era o coordenador da feira à época também, e Cida lembra que pessoas tiveram problemas de saúde causados pelo estresse da época. “O Pitta vetou a feira. É uma parte triste da nossa história, muita gente acabou enfartando, morrendo. Muitos pegaram seus quadros e começaram a destruir seus trabalhos”, relata a feirante. Não durou muito para se reunirem em assembleias, organizarem um abaixo-assinado – com adesão da maioria dos feirantes – para que a feira não acabasse de fato e reconquistarem seu espaço de comércio.
Para ter o seu ponto de venda na feira, é necessária uma licença dada pela Prefeitura. “Eu tenho mais de 300 nomes de artesãos em uma lista de quem quer começar a trabalhar aqui”, diz Osório. Os mais antigos dizem que a retirada da autorização foi fácil, enquanto os mais novos comentam problemas na liberação. “Trabalho na feira há um ano, mas esperei cinco para conseguir a licença”, afirma Nilton Marques, vendedor de dinheiro colecionável.
No comando da feira há 20 anos em sequência, Osório afirma que o local passa por uma situação de descaso e queda de visitantes. A ampla diversidade cultural e artesanal de seus vendedores não basta para retomar a antiga referência de lazer dos domingos paulistanos que um dia o local oferecia. “Agora está abandonada. Antes era cheia, não tinha espaço nem para você andar nem para expor sua arte”, lamenta Waldir Ribeiro, incerto do futuro da Feira da República.