Com falta de opções, roupas e calçados inclusivos chegam para melhorar a vida de pessoas com deficiência
Vestir calças sozinho é algo desafiador para Alessandro Fernandes. Após sofrer um acidente de motocicleta, em 2006, hoje depende da cadeira de rodas. Paraplégico, com perda do movimento e da sensibilidade da cintura para baixo, Fernandes sonha em ter um jeans pensado para ele. Além de ter dificuldade em utilizar peças de roupa que são vendidas no comércio, não frequenta lojas de departamento por existirem poucos provadores adaptados para sua cadeira de rodas.
São situações como essa que a moda inclusiva busca contornar. Com o objetivo de facilitar o dia a dia da pessoa com deficiência, as peças são pensadas para cada tipo de corpo e podem utilizar materiais diferentes como velcro, zíper e tecido elástico. A história de Fernandes parece um caso pontual, mas, segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,7% da população brasileira é composta por pessoas com nenhuma ou pouca mobilidade. Caso o universo da moda não apresente diversidade, 14 milhões de pessoas vão ter a independência de suas vidas colocada como meta distante.
O campo da moda inclusiva está se expandindo aos poucos. A estilista Silvana Louro, após trabalhar por 20 anos com modelos e desfiles, sentiu que sua função havia perdido significado. Em 2011, ao acompanhar as dificuldades de atletas paraolímpicos que se queixavam da falta de praticidade e conforto de suas roupas, decidiu desbravar o mundo da inclusão, fazendo o primeiro uniforme adaptado do mundo. Em 2015, a roupa foi utilizada pela delegação fluminense nas Paraolimpíadas Escolares. “Eu nunca mais consegui parar”, revela a designer, que abriu em 2011 a loja de moda inclusiva Equal.
Louro não é a única exploradora. Driélli Valério, formada em Moda, foi introduzida ao tema pelo seu Trabalho de Conclusão de Curso em 2012. Ao perceber que o mercado oferecia pouco para esse público, sentiu que poderia criar algo para ajudar pessoas e ir além do seu projeto de faculdade, abrindo a loja online de moda inclusiva Aria. Facilitar o ato de se vestir é algo que a moda inclusiva tem cumprido. Louro conta a história de uma criança portadora de paralisia cerebral que atendeu. Suas articulações eram enrijecidas e sentia muita dor ao se mexer. A empresária fez roupas que se encaixavam com ajuda de zíperes. “Pela primeira vez ele se vestiu sem chorar”, lembra Louro.
Além da praticidade e conforto, o visual das vestes também é um ponto essencial. O apelo estético fortalece a autoestima, porém, mesmo com o esforço das lojas, não há grande variedade. Com a pequena procura, o mundo da moda inclusiva passa por obstáculos, o que dificulta investimentos em novas ideias e produções.
Um dos motivos da pequena procura está relacionado à falta de informações sobre o assunto. Assim como Alessandro Fernandes, Vânia Martins, portadora da doença degenerativa Distrofia Muscular de Duchenne, nunca teve contato com moda inclusiva. “No atendimento, as pessoas ainda se assustam com uma pessoa deficiente”, desabafa. Apaixonada pelo mundo da beleza, ela fundou o canal de YouTube Rampa de Acesso, para dar dicas sobre estilo e autoestima.
Quando o tema é divulgação da moda inclusiva, as empresárias das lojas Equal e Aria acreditam que o trabalho é de “formiguinha”. Atualmente, Louro e Valério utilizam as redes sociais e a clientela fiel para disseminar seus trabalhos.
Em relação aos custos, os preços variam na média de 80 a 200 reais. Para melhorar a relação de preço e lucro, a proprietária da Equal destaca vender peças tanto adaptadas como comuns, afim de diluir o valor mais alto da confecção em toda a produção. Esse é um desafio passado também por Valério. “Temos o propósito de tornar as peças acessíveis comparadas ao mercado fast fashion atual. Você pagará em uma peça nossa um valor semelhante a um grande magazine”, diz. A intenção das lojas é que a moda seja acessível também no quesito financeiro.
Sapato também é moda. Para pessoas com deficiência nos membros inferiores que querem unir conforto, estilo e preço acessível, a contratação de sapateiros muitas vezes é uma opção.
Para Aline Antunes, dona da Escola Arte do Calçado, em Perdizes, na zona oeste de São Paulo, os sapatos especiais oferecidos em lojas não são bonitos e o atendimento, precário. De produção caseira, levando em conta os gostos e necessidades de cada indivíduo, Antunes oferece cursos e focos de produção voltados para esse público. Além de uma confecção primorosa, espera que seus alunos saibam como atender uma pessoa com deficiência. A empresária conta que a ideia surgiu ao perceber que o mercado não oferecia serviço de qualidade para esse setor. “Quero fazer uso da minha ferramenta de inclusão: a moda”, declara.
Conforto e estilo há, mas o preço não é dos mais baratos. A média por par é de 300 reais. Os sapatos especiais exigem mais cuidado e conhecimento técnico específico, o que encarece o produto. O orçamento também pode variar conforme o tipo de serviço que é prestado. Transporte, complexidade do modelo e materiais utilizados são fatores levados em consideração na hora de determinar o preço.
Outra questão que afeta o bolso de algumas pessoas com deficiência é a falta de distinção que o mercado tradicional faz de membros inferiores. Amputados e pessoas com pés com numerações distintas não são levados em consideração, o que dificulta que esse público faça compras em lojas convencionais. Nelas, são obrigados a comprar o par do mesmo tamanho, o que os leva a gastar o dobro, levando para casa sapatos que não usarão.
Mas ainda há esperança. Em 2014, o deputado Pedro Uczai (PT-SC) apresentou o projeto de lei 7246 que defende a obrigatoriedade de comercialização de apenas uma unidade de calçado e de pares de calçados constituídos por unidades com numerações diferentes a pessoas com deficiência. Porém, o projeto ainda espera votação na Câmara. Com o crescimento de projetos inclusivos, a hora é de mudanças para o setor de moda. “Estamos em um momento em que devemos nos apoiar para a moda passar a ter um propósito”, reforça Louro.