Não haviam me passado o endereço. O nome era Seu Nivaldo e ficava na Consolação. De bar em bar, saí pedindo informação em busca do seu paradeiro. Sem sucesso. Estava perdida nas ruas abarrotadas de gente à procura de litrão barato depois do expediente. O típico boêmio se gaba, em arrotos, de saber de A a Z os melhores e piores bares e um infinito catálogo de nomes de garçons. Mas ninguém sabia do Seu Nivaldo, nem pareciam dar a mínima. Decidi procurar no Google Maps. Resultados: Bar do Seu Góis, Plínio, Geraldo, Romeu, Zé, Romero. Seu Nivaldo: irrastreável. Desisti. Se nem o satélite encontrava… Não passaria Seu Nivaldo de uma lenda urbana?
Perdida feito barata tonta, um amigo que já estava lá veio me resgatar. Quando cheguei no dito cujo, me dei conta de que jamais encontraria aquele lugar se estivesse sozinha. É que o bar do Seu Nivaldo, na verdade, era a sua casa e também antiquário. O senhor soteropolitano, com um farto bigode branco, havia colocado uma única mesa no seu pequeno quintal e decorou com ramos secos de árvore a grade de arame que improvisava o teto. Para dar volume a uma solitária mesinha de plástico, encheu duas caixas de discos, de Alceu Valença a BB King, e a deixou ao lado de um velho radinho preto.
A fim de atrair os boêmios da Bela Vista, Seu Nivaldo se tornou irrastreável aos que preferem estrelas dos guias gastronômicos e visível a quem procura aconchego da simplicidade. Naquele dia, estava frio e eu o vi cortando madeira e colocando na churrasqueira para “ficar mais quentinho”. Voltando do banheiro, um amigo comentou estar com vontade de comer certo salgadinho. Pouco depois, Seu Nivaldo entregou para o garoto um pacote cheio deles. Ele não deu de cortesia nem acendeu o fogo para agradar a gente. Não éramos clientes e ali não era um bar, mas um antiquário vivo que acolhe almas desgastadas nas noites de sexta-feira.
Seu Nivaldo me levou para fazer um tour pela sua casa e eu achei que ele estava abrindo o seu coração. “Eu vou te mostrar o meu cantinho”, disse. Reparei que em cada canto da casa havia caminhõezinhos de diversos tamanhos. Desconfiei e acertei: foram feitos por ele – por mãos que carregam histórias de uma vida na siderurgia. O céu de Seu Nivaldo era feito de lustres de todos os modelos e tamanhos que ele construía e consertava. Eu disse que ele era um homem iluminado, e ele deu risada. Não foi piada. Se Seu Nivaldo acendesse todos os lustres que tem em sua casa, chamaria atenção do bairro todo, o quintal ficaria pequeno e seu bolso grande. Mas ele é um senhor que não gosta de extravagâncias. Disse que gostava da gente porque não fazíamos bagunça, éramos pessoas legais, e que não trocaria aconchego por dinheiro. Lembrei do cantor Criolo dizendo que os bares estão cheios de almas tão vazias. Deve ser porque elas nunca conheceram o Seu Nivaldo. Se todos os bares fossem como o dele, ao deitar a cabeça no travesseiro depois de uma noite longa, ninguém se sentiria enjoado. Saindo de lá, eu disse que iria indicar o bar para outros amigos e que sempre que um lustre de casa quebrasse, eu levaria para ele consertar. Nem imaginava que, naquela noite, eu mesma era a lâmpada em busca de um tenro clarão.