Há 90 anos, o mercado cafeeiro foi abalado com a queda da Bolsa de Nova York. Hoje, segue firme como um importante setor do agronegócio nacional
Terça-feira, 29 de outubro de 1929. Sebastião Sampaio, então cônsul geral do Brasil nos Estados Unidos, enviou uma carta à Bolsa do Café em Nova York. No documento, afirmava que a baixa dos preços do café que se instalara nos dias anteriores era artificial. Dizia não ter ligação com a pane financeira que se arrastava desde a quinta-feira anterior. Mal sabia que os anos que dariam sequência àqueles dias turbulentos ficariam conhecidos como “A Grande Depressão”.
Por mais que o cônsul brasileiro insistisse em falar que “a posição do café não sofreu absolutamente nenhuma alteração e, por isso, não pode ser influenciada pela atual crise dos mercados financeiros”, a História mostrou que as coisas não foram bem assim. Até aquele ano, o café exercia um protagonismo de proporções hoje inimagináveis na economia brasileira. Além de ser o centro de um complexo produtivo maior, orbitando ao seu redor partes significativas de outros setores – como o bancário, o industrial e o ferroviário –, o grão possuía um papel indispensável para o andamento da macroeconomia nacional.
Mas a cultura monoexportadora de café não deixou suas marcas apenas na economia brasileira. Para ser colhido, o chamado “ouro verde” precisou das mãos de imigrantes vindos de outras partes do mundo, como Alemanha, Itália e Japão. Para ser transportado, exigiu a construção de uma malha ferroviária que cobriu boa parte da região Sudeste, em especial o estado de São Paulo. Para ser escoado para o consumo no exterior, demandou uma grande estrutura portuária em Santos que se tornou no início do século XX o maior porto da América Latina.
A dependência brasileira do grão chegou a tal ponto que o equilíbrio das contas externas do país se apoiava essencialmente nesse único produto. O café chegou a representar mais de 75% da receita cambial do Brasil em 1924, por exemplo. Ciente dessa subordinação, o governo nacional se preocupou em nutrir e manter o mercado cafeeiro a pleno vapor.
Neste cenário, era impossível que a crise deflagrada em 1929 não sacudisse a estrutura econômica do País. No entanto, segundo Guilherme Grandi, professor do departamento de Economia da FEA-USP, por mais intenso que fosse o abalo financeiro sofrido pelo café, ele não chegou a ser duradouro – já em 1933 o nível da participação do café nas exportações totais estaria restaurado ao que era antes do crash. “A Crise de 1929 acendeu o alerta de que o governo não podia ser tão dependente de um só produto para exportação”, comenta Grandi. “Não à toa, a Era Vargas [vigente de 1930 a 1945] é marcada por ter um viés industrializante”. A partir de 1930, portanto, a recém-instaurada administração Vargas passou a encaminhar o Brasil em direção à industrialização de forma organizada e sistematizada. E foi justamente a indústria que, duas décadas depois, tirou do grão o protagonismo sobre a economia brasileira.
O café deixou de ser “a galinha dos ovos de ouro” do Brasil, mas passa longe de atingir a insignificância. Apesar de hoje ser para a economia nacional um coadjuvante – de luxo, é bem verdade –, o café brasileiro é protagonista no mercado mundial. É o quinto produto agropecuário que mais gera receitas de exportação ao Brasil, atrás apenas de soja, carnes, produtos florestais (papéis, celulose e madeira) e do setor sucroalcooleiro, em ordem, segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Movimenta cerca de cinco bilhões de dólares por ano na economia brasileira.
A posição atual do café não se compara àquela de 90 anos atrás. O Brasil era então um quase-monopolista do mercado cafeeiro mundial: de acordo com o estudo O café no Brasil: produção e mercado mundial na primeira metade do século XX, de Pedro Tosi e Rogério Faleiros, 70% do mercado mundial era dominado pelos grãos brasileiros em 1915. Mesmo sendo o maior exportador mundial do grão hoje (cerca de 35% do mercado, segundo a Organização Internacional do Café), o país enfrenta forte concorrência de diversas nações, em especial Vietnã (24%) e Colômbia (12%). Na prática, o imenso volume das exportações brasileiras – aproximadamente 30 milhões de sacas de 60 quilogramas por ano – não significa que o café do Brasil seja o mais valorizado no mercado internacional.
Existe uma questão do tipo do produto brasileiro que é vendido para os outros países. “O Brasil vende bem o café commodity [grão pouco processado], mas não consegue vender o café torrado-moído [de alto grau de processamento]”, explica a professora do departamento de Administração da FEA-USP Maria Sylvia Saes. Outro aspecto que influencia no valor do café brasileiro dentro do mercado internacional é a qualidade do grão. E quando o assunto é qualidade, o mercado tem demandado cada vez mais cuidados com plantio, seleção, torra e distribuição.
O técnico em agropecuária Eduardo Antônio Santos trabalhou por 25 anos em uma fazenda de café em Pindamonhangaba, a quase 140 quilômetros da capital paulista, na região do Vale do Paraíba – aliás, um dos pontos fortes do cultivo do grão no estado. Para ele, a exigência por um grão mais fino tem aumentado ano a ano. Santos não acredita que seja um fenômeno que ocorre apenas no exterior. “Hoje o público exige um café mais nobre no mercado nacional”, diz, enfatizando que os produtores têm respondido a essa demanda.
A preocupação em melhorar o café brasileiro cresce desde a década de 1990. Foi quando diversas iniciativas foram acionadas para o reposicionamento do café brasileiro na economia, principalmente partindo do setor privado.
A década de 1990 viu a desregulamentação do mercado cafeeiro no Brasil, marcada pelo fim do Instituto Brasileiro do Café (IBC), durante a presidência de Fernando Collor de Mello. O órgão criado em 1952 e erguido ao redor do grão era responsável por executar a política de defesa do produto, estimulando a pesquisa agronômica e estabelecendo um preço de venda favorável aos fazendeiros locais, entre outras ações.
Mas nem por isso o governo deixou de ter sua participação no campo: o Ministério da Economia e o das Relações Exteriores participam do Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), que administra o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). Este acumula um financiamento de cooperativas de crédito e de bancos públicos e privados – que chega à casa dos cinco bilhões de reais – para estender linhas de empréstimo aos produtores do grão de café.
Outra cadeira no CDPC pertence ao Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), no qual atua o diretor técnico Eduardo Heron. Para ele, as perspectivas no mercado são promissoras. “Se olharmos para o consumo mundial de café nos últimos 20 anos, ele é uma linha crescente”, analisa. “Uma vantagem do café em relação a outras commodities é que o consumo de café não para”.
E, por certo, o consumo mundial de café não apresenta sinais de desaceleração. Nem mesmo os diferentes ciclos de preço ou crises econômico-financeiras, em especial a iniciada em 2008, foram capazes de tirar o consumo de café de sua trajetória crescente. Segundo a Organização Internacional do Café (OIC), o consumo global da bebida aumenta 1,8% a cada ano. Ainda conforme a OIC, o Brasil sozinho consome cerca de 16% de todo café tomado no mundo – algo em torno de 250 bilhões de xícaras de 50 mililitros. O equivalente a servir três xícaras para cada brasileiro por dia em um ano.
Contudo, fato inconteste é que o café nunca voltará a ser o que era para o Brasil há 90 anos. A tendência é que ele continue sendo um produto que não apenas gira um montante relevante de dinheiro, mas que constitui um dos pilares da exportação agropecuária brasileira.