Efeitos nocivos do microplástico ainda não estão suficientemente esclarecidos
Mais de dez milhões de toneladas de plástico são lançadas no oceano por ano. Esse número expressivo, publicado em um estudo da ONG World Wide Fund for Nature (WWF) de março de 2019, é o equivalente ao peso de 569.250 ônibus descartados nos mares. Seguindo esse ritmo, espera-se que até 2050 haja mais peso de plástico na água do que de criaturas marinhas. Esse material pode demorar cerca de 400 anos para se decompor, o que significa que o resíduo da garrafa que você esqueceu no parque ainda pode estar lá em 2419. Durante a decomposição desse plástico, são liberadas pequenas partículas nocivas ao ambiente, com menos de cinco milímetros de comprimento, que recebem o nome de microplásticos.
A sociedade está cada vez mais imersa na plasticultura, sendo o plástico utilizado em praticamente todos os setores da sociedade. “O que falta é um trabalho de conscientização do povo por parte de políticos e empresas”, afirma João Ortiz, proprietário da Aditive Plásticos, empresa que atua nesse mercado há cerca de 20 anos. Para ele, ao futuro está destinado o plástico biodegradável, que utiliza microrganismos para decompor o material em um determinado período de tempo.
Em junho de 2018, um estudo feito por cientistas das universidades da Califórnia e Georgia junto à Sea Education Association e publicado na revista Science mostrou que apenas 9% de todo o lixo plástico no mundo é reciclado. “A reciclagem no Brasil, infelizmente, não é muito incentivada. Deveria ser estimulada pelas empresas de reciclagem”, propõe Ortiz. Para agravar a situação, de tudo o que é produzido com o material, 40% é de uso único, ou seja, a embalagem daquele lanche natural, dos frios do supermercado, a proteção do livro que nunca mais será reutilizada.
Segundo João Almeida, da World Animal Protection – organização internacional fundada em 1950 e que atua no Brasil pela proteção da fauna marinha há 30 anos –, outro problema além da falta de reciclagem é a existência de redes fantasmas nos mares, abandonadas por pescadores ilegais. “Em torno de 10% do lixo plástico que entra nos mares todos os anos é apetrecho de pesca fantasma”, afirma Almeida. O microplástico está intimamente ligado aos materiais de pesca perdidos nos oceanos, que, degradados, se transformam em microplástico e são um risco para animais marinhos e a própria atividade pesqueira.
A lavagem de roupas de poliéster também libera as partículas, que não são barradas pelos filtros das máquinas de lavar. Como mostra a dissertação de Flavia Cesa, mestra em Ciência Ambiental pelo Programa Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo (USP), estima-se que cerca de 21,5 mil toneladas de fibras sintéticas sejam liberadas em efluentes de esgoto por ano no mundo. Animais menores, como os plânctons, confundem o lixo com comida. Eles não possuem enzimas para degradar o material, o que bloqueia seu trato digestivo e os leva à morte por inanição, segundo Daniel Rittschof, PhD pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, especialista do efeito de plástico no oceano. Quando outros animais se alimentam desses menores contaminados, ingerem o microplástico junto.
Para piorar a situação, uma pesquisa feita pela Universidade de Medicina de Viena, divulgada na United European Gastroenterology Week Vienna em outubro de 2018, verificou a existência de microplásticos em fezes humanas. Essas micropartículas também podem absorver outros produtos tóxicos, como o mercúrio e pesticidas. “Seres vivos podem desenvolver problemas no fígado, rim, sistema nervoso e diminuição da taxa de reprodução”, comenta Rittschof, preocupado. “Quimicamente, muitas coisas ainda não estudadas podem acontecer”.
De acordo com uma publicação do Greenpeace na revista científica Environmental Science & Technology, de outubro de 2018, foram testadas 39 amostras de sal de 21 países da África, América, Ásia e Europa. Apenas em Taiwan, China e França não foram encontrados microplásticos em sua composição. No Brasil, a substância foi identificada em locais como São Vicente (SP), Baía de Guanabara (RJ), Abrolhos (BA) e Fernando de Noronha (PE).
O descarte desmedido de plástico obriga que a sociedade adote soluções para amenizar seus impactos, como a criação de compostos biodegradáveis e investimentos em reciclagem, conforme relatado na reportagem inicial deste dossiê. Como afirma o dono da Aditive Plásticos, a humanidade virou dependente desse produto. “É impossível viver sem plástico no mundo de hoje”, declara. Se as atitudes em relação ao plástico não forem repensadas, a vida no planeta corre sérios riscos.