Cartão-postal paulistano, o Estádio do Pacaembu vive dias de incerteza enquanto assiste à sua privatização
Os dizeres do locutor oficial do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, Edson Sorriso, podem não ser mais ouvidos. “O seu, o meu, o nosso Pacaembu”. A Prefeitura de São Paulo negou realizar obras no sistema de iluminação do estádio para atender o determinado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o que impede que jogos do Campeonato Brasileiro aconteçam ali neste ano – com exceção do período que o Morumbi e a Arena Corinthians ficaram ocupados pela Copa América. A justificativa veio em nota da Secretaria de Esportes e Lazer. “O investimento da troca demandaria um gasto que aumentaria o valor comercial da proposta e implicaria no cancelamento do processo [de concessão]”, afirma.
Atualmente, o Complexo Pacaembu – soma das áreas do estádio, do clube social e do Museu do Futebol – passa por um momento de indefinição. O Consórcio Patrimônio SP conquistou no início de fevereiro de 2019 a administração do estádio pelos próximos 35 anos por 111 milhões de reais. Questionada se o preço da concessão não foi baixo, tendo em vista a duração do contrato (cerca de 262 mil reais por mês de gerência), a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias ressalta que o montante foi muito acima dos 37 milhões estabelecidos pela Prefeitura como mínimo. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, prevê arrecadar para a cidade quase seis vezes o valor da cessão, visto que a modernização tende a aumentar a receita do estádio.
O processo de concessão foi liberado novamente no dia 29 de março de 2019, após uma desarticulação judicial. A Associação Viva Pacaembu dos moradores do bairro questionava oito pontos do edital de licitação que feriam as leis do município. “O estádio tem 79 anos e precisa de uma reforma, mas que seja cem por cento dentro da lei”, defende Rodrigo Mauro, presidente do grupo. A juíza responsável pelo caso, Maria Gabriella Spaolonzi, ressalta que os recursos arrecadados pela privatização devem ser destinados à conservação do estádio. “Não há qualquer limitação para que a Prefeitura não possa transferir o potencial construtivo ao vencedor da licitação”, contesta.
O Pacaembu, construído a partir de 1936, pretendia ser uma praça multiuso que provaria a força do estado paulista, idealizada pela Prefeitura de São Paulo. Era o maior estádio da América Latina. “Durante a cerimônia de inauguração [em 1940], o time do São Paulo foi aplaudido por desfilar com o uniforme nas cores da bandeira estadual”, conta Plácido Berci, jornalista e diretor do documentário Pacaembu: o Gigante sem Dono (2012). O fato ocorreu três anos depois de o presidente Getúlio Vargas promover uma queima de bandeiras estaduais em praça pública e apoiar um discurso de adoração ao governo federal.
Um Palestra Itália x Coritiba foi a primeira partida no Pacaembu, que terminou em vitória de 6 a 2 para o alviverde paulista. A partida valia a Taça Cidade São Paulo, realizada para inaugurar o estádio, e dada aos mesmos palestrinos. Com o título, o Palestra se tornou o primeiro – e mais tarde o maior, com 27 conquistas – campeão do Paulo Machado.
Ainda uma criança de 10 anos, o “Paca” foi a sede paulistana na Copa do Mundo de 1950. Ao final daquela década, foi construída uma relação de amor entre o estádio mais querido da cidade e seu maior artilheiro. Pelé marcou 115 gols no Pacaembu e se despediu do Santos em uma vitória de 1 a 0 contra o Corinthians no Campeonato Paulista de 1974. Mesmo após a aposentadoria do Rei do Futebol, o Municipal continuou sendo palco de histórias, como a final do Brasileirão de 1994 entre Corinthians e Palmeiras e os títulos da Libertadores de Santos (2011) e Corinthians (2012), memoráveis entre os torcedores.
Para Berci, um dos momentos-chave do estádio foi o show da banda de rock americana Pearl Jam em 2005 – o último realizado ali antes de a Viva Pacaembu conseguir a liminar que proibia a organização de shows no local. “Qualquer evento no Complexo não pode gerar distúrbios, assim como flanelinhas e uso de drogas”, explica Rodrigo Mauro.
Entretanto, a possibilidade de demolição do Tobogã – setor do estádio com valor mais acessível atrás do gol contrário à entrada principal – e a limitação de horas de uso semanais para os sócios do clube são preocupações diante da privatização. Por outro lado, a Secretaria Desestatização e Parcerias amenizou tais preocupações. “A Prefeitura está ciente das normas [de áreas de tombamento] e as respeitará”, declarou em nota.
Histórias não faltam para o estádio que já recebeu mais de três mil jogos de futebol e comporta quase 40 mil pessoas. Na estreia de Ronaldo Fenômeno no Pacaembu pelo Corinthians em 2009, por exemplo, o torcedor Lucas Strabko entrou em campo de mão dada com o jogador antes da partida. “Minha tática era única: ‘sou filho de fulano’. Dava certo”, relembra. “O Paca é a segunda casa dos quatro times de São Paulo. É como casa da vó”. O que resta é saber se esses torcedores viverão apenas do passado ou se o estádio continuará proporcionando novas alegrias.