“Sempre gostei de boxe, desde criança, só nunca lutei em campeonatos oficiais”. Luís Cardoso possuiu o mesmo técnico que o célebre Popó: Ulysses Pereira. Atualmente, é orientador técnico do Clube Nacional Jundiaí, que se destina a ensinar boxe para crianças e adolescentes que vivem em vulnerabilidade social em Belém, no estado do Pará. No Rio de Janeiro, o boxeador e técnico Raff Giglio conclui o aprimoramento da sua academia, o Instituto Todos na Luta, de objetivo igual ao de Luís. O local se manteve por alguns anos de maneira independente até que em 2009, dois anos depois da empresa de material médico-hospitalar Oscar Iskin se interessar pela causa e apoiá-la, a associação se tornou uma ONG.
Taynna Taygma e Patrick Lourenço são importantes personagens da trajetória desses dois técnicos. Taynna, filha de Luís, conheceu o esporte por meio de seu pai. Assim como Patrick, praticou muitas outras modalidades antes da sensação de pertencimento ao entrar em um ringue. Patrick, nascido na comunidade do Vidigal e atualmente beneficiado pelo programa governamental Bolsa Atleta, conheceu a criação de Giglio em 2006, aos 13 anos. Nessa época, o instituto passava por muitas dificuldades financeiras. O atleta afirma que ao começar a treinar e se ver diante de tantos obstáculos, pensou em desistir: “Não tínhamos tênis e quase nada para competir. Minha vida inteira foi um desafio”.
Entretanto, segundo Patrick, o treinador Raff sempre buscou suprir as dificuldades que surgiam, não importando qual fossem. Muitas vezes pagou por conta própria equipamentos, transporte e hospedagem para seus atletas, chegando a contar com a ajuda financeira do ator Malvino Salvador, que completou uma “vaquinha” que alguns amigos de Raff fizeram para ajudar nas despesas dos boxeadores em um dos campeonatos brasileiros. Os esforços de todos os envolvidos não foram em vão: com 18 anos, Patrick tornou-se tricampeão brasileiro. Tal feito lhe rendeu o convite para a Confederação Brasileira de Boxe (CBB) e o Bolsa Atleta Nacional. Hoje, Patrick recebe o Bolsa Pódio, de 11 mil reais por mês – é a categoria mais alta do programa. Desta vertente, fazem parte mais 105 atletas brasileiros que participaram dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.
Criado em 2005, o projeto é o maior programa governamental de patrocínio individual do mundo e, de acordo com o Ministério do Esporte, já auxiliou mais de 17 mil atletas. O público alvo são esportistas de alto rendimento, independente da condição financeira. Dos 6.152 atualmente contemplados pelo Bolsa Atleta, Taynna é possuidora da categoria Nacional pelos bons resultados em campeonatos brasileiros, e afirma que nunca houve problemas na admissão do valor.
INVESTIMENTO E TRAJETÓRIA
O pai de Taynna se diz contra a ideia de que o Brasil é um país que investe pouco em esporte. Para ele, os atletas brasileiros recebem bastante apoio se comparado a países como Cuba e Colômbia, por exemplo, e reconhece que o valor recebido pelo programa não pode ser comparado a um salário, mas que é possível impulsionar os sonhos de um esportista. Sendo 465 brasileiros competidores nos Jogos Olímpicos deste ano, segundo o Ministério do Esporte, 358 são contemplados pelo Bolsa Atleta.
Otílio Toledo, coordenador técnico e responsável pelo planejamento da equipe da Confederação de Boxe, discorda dos benefícios do programa: “Uma grande farsa. Muitos atletas se aproveitam, é só se inscrever em uma academia e competir em um campeonato brasileiro para tê-lo”. Para ele, a maioria dos boxeadores que são de famílias pobres, enxergam no esporte um meio de conseguir mudar o padrão de vida, “o boxe é um esporte duro e normalmente só aguenta aquele que já tem uma vida com muitos problemas”.
Ao longo da carreira de Taynna até os dias de hoje, ela saiu vitoriosa de 212 lutas de 278, incluindo quatro títulos pan-americanos e o cinturão Les Ceintures Montana, adquirido na França e do qual se orgulha. Seu destaque perdurou nos campeonatos brasileiros após os estaduais até que chamou a atenção da Seleção Brasileira, e a convocação não tardou a chegar. Sua primeira participação internacional ocorreu na Argentina contra a anfitriã, em 2006, e a atleta obteve a medalha de bronze.
Tudo o que é necessário para competir no esporte é fornecido ao atleta quando ele faz parte da Seleção Brasileira. A Confederação Brasileira de Boxe garantiu para Taynna e Patrick o patrocínio padrão, proporcionado pela Petrobrás, além de maior visibilidade e oportunidade de participação em campeonatos internacionais, continentais e mundiais. A sede dos treinos localiza-se no Centro Esportivo Joerg Bruder, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. A partir de janeiro de 2017, um novo ciclo se iniciará no Centro, para a próxima Olimpíada.
Diferentemente de Taynna, que nunca possuiu um patrocinador particular, Patrick recebe o apoio da marca de roupas e tênis Everlast. O foco na vida do beneficiado torna-se exclusivamente o treino e bons resultados, quando alcançados, na maioria das vezes, mantém o benefício. O Ministério do Esporte estabelece que, para ser patrocinado, o atleta deve estar entre os vinte primeiros na modalidade no ranking brasileiro e ser indicado pelas entidades nacionais de administração do esporte. Tais rankings são grandes vitrines para que a Seleção Brasileira enxergue o esportista, que conta como critério os seguintes itens: idade, condição técnica, condição física, perspectiva e nível de talento.
Segundo Samuel Orthey, preparador e auxiliar físico da Confederação de Boxe, as classificatórias para os Jogos Olímpicos ocorrem por meio do ranking nacional e os destaques são indicados para uma seleção específica, a pré-olímpica. Normalmente, a escolha é consolidada alguns meses antes dos Jogos. Patrick, que participou do evento graças à sua primeira colocação no segundo ranking mundial, foi derrotado na primeira fase da competição olímpica. Durante tais seletivas, Taynna competiu em 16 lutas preparatórias para uma vaga no Rio 2016. De acordo com ela, por sua adversária possuir um título da Olimpíada de 2012, acabou sendo previamente descartada. A busca por respostas que fundamentasse a escolha que lhe pareceu injusta foi incansável, e a única que encontrou durante todo o processo foi o fato de que a Seleção Brasileira tem o direito de escolher quem lhe convir. A Secretaria do Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo afirma que nenhum órgão além do Governo Federal pode intervir na autonomia de uma instituição privada, como são federações e confederações, pois além dessas contarem com instrumentos internos para apurar erros, estão também sob constante fiscalização do Ministério Público.
Otílio afirma que a escolha foi absolutamente legítima. Assim como todos os outros atletas, segundo ele, Taynna foi testada em diferentes eventos, terminando um placar de 9×7 para ela. No ranking nacional, a boxeadora era a número 1, porém não apresentava resultados satisfatórios nas competições internacionais. Hoje, automaticamente demitida da CBB, que abrirá um novo ciclo para 2020, Taynna diz não sonhar mais com os Jogos Olímpicos, e continua a afirmar que isso não depende dos seus méritos, “a parte política decepciona, mas as viagens e o conhecimento adquiridos por eu ter feito parte da CBB valeram a pena”.
O Clube Atlético Nacional Jundiaí, principal sede dos treinos de Taynna há oito anos, coordenado por seu pai, Luís Cardoso, possui parceria com a prefeitura do município. Pelos bons resultados nos campeonatos brasileiros, os atletas recebem uma quantia mensal do governo e, ocasionalmente, de instituições privadas. Hoje, o clube se preocupa mais com a parte técnica do boxe – o foco não é mais formar esportistas para a Seleção Brasileira, segundo Luís.
Atualmente, Taynna está focada em fazer parte do mundo Mixed Martial Arts (MMA), Artes Marciais Mistas, em tradução livre. Para ela, este é um universo mais amplo, e é preciso treinar com mais suporte e com técnicos mais experientes. Apesar de hoje treinar junto com Juninho Crivelari e Cassiano Titio, grandes nomes da era MMA, a atleta não descarta a possibilidade do boxe profissional. “Um não atrapalha o outro”.