De intelectuais retraídos a geeks descolados, os nerds mudam paradigmas e o encanto dos quadrinhos ganha mais adeptos
A casa da bancária Marcia Anasazi, de 48 anos, tem um móvel só com brinquedos da franquia cinematográfica Star Wars, como o boneco do robô R2D2 e um abajur do mestre Yoda. Uma prateleira com naves do filme intergaláctico Star Trek e outra com diversas figuras de ação do seriado Arquivo X e dos filmes Helboy, Predador, Robocop e ET. A cultura geek (nerd em inglês) está cada vez mais presente no cotidiano da cidade de São Paulo. A popularização dessa cultura está se espalhando pelas lojas, cinemas e eventos típicos desse universo, como o Comic Com, Anime Friends e o Brasil Game Show. Mas nem sempre ser nerd foi considerado algo positivo.
O termo é uma gíria e não se sabe exatamente quando surgiu. No entanto, uma das teorias é que a palavra está atrelada ao escritor norte-americano Theodore Seuss Geisel (Dr. Seuss), autor de livros infantis clássicos como O Gato de Chapéu e Se Eu Dirigisse o Zoológico, de 1950, e apresenta um personagem considerado esquisito chamado Nerd. No ano seguinte, em 1951, foi publicada na revista Newsweek uma reportagem sobre os costumes dos jovens na cidade de Detroit, que estavam sendo apelidados de nerds. Assim nasceu o estereótipo do garoto intelectual franzino, solitário, de óculos grandes, aparelho nos dentes e cheio de espinhas no rosto.
Além de ser uma consumidora aficcionada de filmes e livros, Marcia também faz representações de personagens fictícios, denominado como cosplayer. Ela já foi o Elfo da série de filmes O Hobbit, a professora Trawlaine de Harry Potter, e diversos personagens de Star Wars, como Jedi, Piloto Rebelde, Asajj Ventress, dentre outros. Quando começou a prática, em 2004, suas produções eram “cospobres”, como ela define, feitos com roupas improvisadas ou alugadas em lojas de fantasias. Atualmente, ela conta com a ajuda de uma cosmaker, profissional especializado em costurar e providenciar a fantasia, que produziu as vestimentas da rainha Amidala de Star Wars por 3 mil reais.
“Vivemos em uma época que dá para trabalhar e fazer um monte de coisa sendo nerd. Seja em lojas, eventos, lanchonete ou Youtube. É um negócio que agora é comum, ser nerd virou normal”, conta o vendedor da loja Limited Edition, Daniel Bergaminim, que trabalha como mestre de cerimônia de eventos nerds, como o Anime Friends. Localizada na Rua da Consolação, no Jardins, o estabelecimento impressiona quem não conhece o mundo nerd. Luzes iluminam vitrines que glorificam as figuras de ação aclamados nos quadrinhos e filmes. Nas prateleiras, personagens de todas marcas emocionam qualquer fanático pela DC Comics e Marvel, entre outras grandes empresas de quadrinhos. O público é composto majoritariamente por nerds mais velhos, que, saudosistas, relembram sua adolescência e infância.
A figura de ação do Capitão América é vendida ao preço de 2 mil reais. A personagem do Doutor Destino, de Quarteto Fantástico, sai por 11 mil reais, e a personagem do vilão Darth Vader a 13 mil reais. Aberta em 2009 pelos sócios Rodolfo Balestero Pranaitis e Daniel Altavista, a Limited Edition teve faturamento médio de 290 mil reais por mês em 2014.
A Comix Book Shop, que fica na Alameda Jaú, próxima à Avenida Paulista, é outra loja geek, especializada na venda de gibis e revistas modernos, raros e antigos. À venda, estão reunidos em boxes, vinte a cinquenta quadrinhos que custam de 300 a 700 reais. “Houve uma procura maior por quadrinhos principalmente devido aos filmes que estão saindo, como Capitão América: Guerra Civil. Todo mundo queria saber a origem dessa história”, conta o vendedor Thiago Aurélio da Silva, ressaltando a popularização das HQ por meio das adaptações cinematográficas.
As bilheterias dos cinemas explodem toda vez que um filme de ficção científica ou de super-herói é lançado e muitas obras audiovisuais ostentam sucesso por meio de sua nerdice. É o caso de Star Wars: O Despertar da Força, filme lançado em fevereiro de 2016. Ao alcançar a grandiosa marca de 2 bilhões de dólares arrecadados nas bilheterias mundiais, o filme ficou atrás somente dos longas Titanic e Avatar.
No meio de todo esse cenário próspero, o crítico de cinema, cinéfilo e nerd desde criança Rodrigo Narimatsu afirma que a cultura geek tem sido aproveitada como forma de ganhar mérito ou status, algo que pode ser perigoso. Para ele, seguir esse estilo hoje virou moda e muitos realmente usam esse momento para ganhar dinheiro sem entender bem esse univerno. “Acho legal a pessoa se interessar e se aprofundar, mas se aproveitar disso, não”.