O mercado de coco babaçu é uma alternativa de renda no interior do Maranhão
“Ei minhas amigas, minhas irmãs, minhas companheiras, vejam o sofrimento das quebradeiras, vejam o sofrimento das quebradeiras”. Ex-quebradeira de coco e líder da comunidade quilombola Barriguda, Dona Dica declama essa poesia quando pergunto sobre como foi trabalhar como quebradeira a vida toda. As palavras são ditas com naturalidade, como se essa fosse a única realidade possível de se viver.
Todas estavam sentadas na mesma posição. Direto no chão, pernas abertas, costas arqueadas e pés descalços. Parecia até que aquele lugar já tinha o formato para que os corpos delas se encaixassem. Não é por menos, são mais de duas décadas com o machado em meio às pernas, quebrando coco.
Não é o coco que tem água dentro, que se vende na praia. É o da palmeira babaçu, e dentro dele vêm até cinco amêndoas que são transformadas em óleo ou sabão. Vez ou outra, um gongo, larvinha branca que nasce e se alimenta do fruto, toma o lugar de uma amêndoa. Os maranhenses dizem que essa larva frita com farinha é uma delícia. A casca do coco se transforma em carvão e as palhas das folhas da palmeira, em cestos.
A União das Quebradeiras de Coco de Itapecuru é uma cooperativa que reúne mulheres quebradeiras da comunidade quilombola Barriguda, localizada na zona rural de Itapecuru Mirim, interior do Maranhão. Lá, elas quebram o coco, cultivam sua horta e alimentam seus animais. Cada uma tem um espaço reservado para desenvolver a subsistência como desejar. Essa cooperativa reúne mulheres, que, com integrantes de outros grupos dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará já somam mais de 300 mil.
O machado fica encostado no chão com a ponta virada para cima, a mão esquerda posiciona o coco sobre a parte afiada e um pedaço de madeira bate no fruto dividindo-o ao meio. Esse movimento é repetido pelo menos sete vezes em cada coco, quebrando-o em várias partes. Só assim se extraem todas as amêndoas. A cada batida, o medo de atingir um dedo. E se acontecer? “Aí sara e a gente volta a quebrar de novo”, se conforma Dona Dorinha, que trabalha há anos como quebradeira.
Um quilo da amêndoa vendida por meio da cooperativa custa entre quatro e cinco reais. Antes da cooperativa, o quilo era vendido a trinta centavos para a população local e ainda mais barato para as indústrias fabricantes de óleo e sabonete. O cooperativismo faz com que as mulheres tenham conhecimento e sejam registradas na Política de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), um projeto do governo federal que estabelece um piso para a venda de produtos naturais. O preço mínimo do quilo da amêndoa do coco babaçu é de 2,87 reais. Essa foi uma das conquistas das quebradeiras, que lutam diariamente contra os pecuaristas e a favor de formas alternativas de desenvolvimento para a região.
Para conseguir melhores condições de trabalho, essas mulheres chamam a atenção do governo por meio de fóruns e debates, como por exemplo o BabaçuTec, um evento que reúne as quebradeiras de coco de todo o estado do Maranhão para discutir com o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, alternativas de desenvolvimento no mercado do coco babaçu.
Elas chegam na cooperativa pela manhã e só vão embora no final da tarde. Lá, as quebradeiras têm os equipamentos necessários para trabalhar. Alternam suas rotinas entre cuidar das hortas e dos animais e coletar as amêndoas. A quantidade de coco quebrado por dia depende da necessidade de cada uma. Para muitas, essa atividade é a única ou a maior fonte de renda da família e por isso chegam a quebrar o equivalente a dezoito quilos de amêndoa por dia.
Ser quebradeira é uma oportunidade de independência para as mulheres que sobrevivem preservando essa tradição regional. A cooperativa União das Quebradeiras de Coco de Itapecuru é uma alternativa empoderadora. Em meio ao barulho ensurdecedor das marteladas que não param, Dona Dorinha, concentrada em seu coco, conta: “Aqui é melhor do que estar em casa, escutando raiva de menino e raiva de gente grande”.