A ex-primeira-dama Ana Estela Haddad fala sobre o projeto São Paulo Carinhosa
Entre entrevistas, seminários, viagens e aulas na Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela Haddad não deixa de lado a simpatia. Na sala fria do gabinete, que contava com toda a potência do ar condicionado, conversamos nos sofás. Frente a frente, falamos sobre a política pública coordenada por ela, que não diminuiu o ritmo até o final de dezembro de 2016, mesmo com a vitória do candidato João Dória Júnior (PSDB) no primeiro turno.
O interesse pela primeira infância surgiu na juventude. Quando ainda estava nos primeiros anos da graduação em odontologia, realizou um estágio voluntário em uma creche para trabalhar no cuidado da saúde bucal de crianças pequenas. A dentista e militante do Partido dos Trabalhadores alcançou os Ministérios da República antes mesmo de o marido Fernando Haddad ser convidado para ser Ministro da Educação no governo Lula, em 2005. Entre 2003 e 2005, ocupou o cargo de Assessora do Ministério de Educação e, logo em seguida, no Ministério da Saúde, de 2005 a 2010. Ana Estela participou da formulação do texto do ProUni, programa de incentivo a jovens de baixa-renda no acesso à universidade. Desde que voltou a São Paulo, reveza seu tempo com o Departamento de Ortodontia e Odontopediatria da USP, onde é professora.
Como primeira dama, Ana Estela coordenoou, voluntariamente, o programa São Paulo Carinhosa, inspirado na iniciativa federal Brasil Carinhoso. A proposta é monitorar o crescimento e o desenvolvimento infantil por meio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Famílias que vivem na extrema pobreza no município ou que estão cadastradas no Bolsa Família recebem visitas domiciliares dos profissionais que, na grande maioria das vezes, são seus próprios vizinhos. Entre o público-alvo estão mães com baixa escolaridade, adolescentes grávidas, mães com dependência de álcool ou drogas, recém-nascidos prematuros ou de baixo peso, que somam juntos, aproximadamente, 200 mil famílias na cidade.
“O Brasil Carinhoso, de fato, me inspirou. É um exemplo de política intersetorial, porque amarra saúde, educação, assistência social e trabalho”, explica Ana Estela. O Bolsa Família, segundo ela, também é um programa exemplar por gerar maior autonomia para as brasileiras: “Primeiro, o recurso vai para a mulher, entendendo que ela, muitas vezes, é aquela que se preocupa com a alimentação dos filhos”, afirma.
Bailinhos de Carnaval, Viradinhas Culturais e sessões de cinema nos CEUs são outras realizações da São Paulo Carinhosa, voltadas para a democratização do acesso à cultura para as criança em situação de maior vulnerabilidade social. Essa seria a primeira vez que a criança ganha um espaço na orientação da programação cultural da cidade.
A região do Glicério, entre a Sé e a Liberdade, é um território citado por Ana Estela como exemplo. “Esse bairro possui a maior concentração de cortiços, em que a falta de acesso a condições mínimas de habitação para as famílias afeta o desenvolvimento integral dos bebês e crianças, pois estão expostos a situações de violência e não possuem espaços para brincar”, explica. Juntas, as secretarias municipais de Habitação, Saúde, Assistência e Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Urbano elaboraram um projeto em parceria com a sociedade civil. Foi promovida a escuta das crianças desses cortiços sobre as melhorias que poderiam ser feitas. A ação resultará em uma praça, que está em construção, onde um playground está sendo instalado.
São Paulo: para sempre carinhosa?
Quando a presidenta da República sofreu impeachment, em agosto de 2016, logo se destituiu o programa Brasil Carinhoso e seu caráter de defesa da responsabilidade do Estado para com a garantia dos direitos de bebês e crianças. Em São Paulo, João Dória, prefeito eleito, tem a opção de continuar a São Paulo Carinhosa. Sua inspiração também pode vir da criação do Criança Feliz do governo de Michel Temer, lançado em cinco de outubro de 2016.
A nova política tem como foco a intervenção domiciliar. Reduzindo o repasse de verba da União para os municípios, o governo federal contratará 80 mil assistentes com Ensino Médio completo para realizar visitas semanais ou quinzenais às famílias beneficiadas pelo Bolsa Família. Ana Estela Haddad afirma que o Criança Feliz não está integrado ao Sistema Único de Saúde e isso é um problema. Para ela, o ACS é parte fundamental para que o programa funcione, pois uma pessoa da comunidade, com o suporte necessário, realiza as visitas conhecendo a realidade sócio-cultural.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a gestão Haddad construiu 91 mil vagas em creches em seu mandato, cumprindo 70% da meta estipulada na campanha do ex-prefeito. Em setembro de 2016, 133 mil crianças ainda aguardavam na fila de espera. João Doria promete zerar essa defasagem em um ano, fazendo parcerias com associações privadas e sem fins lucrativos, sem necessariamente construir novos prédios.