Entre as ruas Major Ângelo Zanchi e Doutor João encontra-se o Centro Cultural da Penha, na Zona Leste de São Paulo. Localizado no alto de uma ladeira, o prédio de cores claras se mistura com o céu cinza da tarde de sábado e chama atenção em meio às ruas estreitas. O lugar está lotado de jovens e crianças desde a entrada até as cadeiras da biblioteca – ou do teatro –, que anseiam por segurar o microfone ou apenas participar da festa.
Ao som de um tambor, um alto falante e uma gama de palmas ritmadas, um grupo de mais ou menos vinte crianças enche de vida o espaço com suas vozes em uníssono a cantar: “Pra onde eu vou? Vou para o sarau!”. Sorridentes e determinadas, elas contagiam o ambiente com essa manifestação artística muito animada e cheia de significado.
O Sarau dos Mesquiteiros começou em 2006 na escola pública estadual Jornalista Francisco Mesquita. A iniciativa partiu de Rodrigo Ciríaco, ávido leitor, escritor e professor de História. “Quando me lembro de literatura na escola, era sempre uma coisa muito chata. Vista como um manual para você ler e escrever bem e não a literatura como arte, como linguagem”. Para mudar essa perspectiva, o professor buscou maneiras de tornar a literatura acessível para as crianças.
Trazendo livros da biblioteca da escola e também de seu acervo pessoal, sendo a maioria referente à literatura periférica, Ciríaco passou a introduzir a ideia do sarau. Após recitar um poema, o professor notou os primeiros efeitos nos alunos, que, se não foram todos imediatamente capturados pela magia das palavras, ao menos deixaram que uma boa dose de curiosidade penetrasse por meio de uma fresta de possibilidades em suas mentes.
A partir disso, o projeto alavancou e foi conquistando um número cada vez maior de crianças deslumbradas com a arte. Durante os anos seguintes, Ciríaco conseguiu espaço para convidar alguns escritores, como Renan Inquérito e Sérgio Vaz. A ideia de trazer convidados também é de desvincular a imagem do autor à de algo inalcançável, mostrando que a chance de participar ativamente da literatura não era algo tão distante da realidade destes jovens.
“Um por todos e todos por um” é o lema dos alunos e professores que formam o coletivo. Somente em 2009, o projeto conseguiu ser comtemplado pelo edital do Programa Vai da Secretaria Municipal de Cultura, a partir disso a proposta passou a ser implementada não apenas no ambiente escolar, como também em outros espaços públicos da cidade, elencando, além dos estudantes da escola Evandro Mesquita, toda a comunidade do Jardim Verona e Ermelino Matarazzo, para participar do Sarau dos Mesquiteiros.
Desde então, todo terceiro sábado de cada mês, as reuniões abrem espaço para que qualquer um assuma o palco e tenha vez para colocar sua alma à disposição de quem assiste. Os próprios jovens, sob a orientação cuidadosa de Ciríaco, organizam os eventos, montam os cenários, direcionam uns aos outros para garantir a fluidez dos saraus, constroem mesas de pintura para as crianças e montam uma banca de livros para aqueles que queiram fazer suas citações de última hora.
Uma das características marcantes do grupo é a união da poesia com o rap da comunidade, uma ponte para a chamada poesia slam. Esse gênero, originário dos guetos americanos e representado no Brasil especialmente pelos saraus periféricos, nada mais é do que a poesia recitada com uma entonação mais forte, de forma dura, fazendo barulho, misturada com a música e chamando a atenção do público com elementos exteriores ao texto: a própria voz.
São jovens a partir dos 13 anos que lotam as bibliotecas em dias de evento. E deles, ouve-se: “O sarau muda todo mundo que participa”. Cada um com sua história, com os olhos cheios de poesia. A arte da rua é democrática e clama pela participação das pessoas, especialmente nesse tipo de evento, no qual para participar é “só chegar”, sem pagamento ou obrigações. O sarau, por fim, se torna não apenas uma rota de fuga, mas uma nova oportunidade.