Esse dossiê contará até o final de julho com 23 reportagens produzidas por alunos do 3º ano de jornalismo da Cásper Líbero, dentro da disciplina de História do Brasil Contemporâneo. Dessa vez, os alunos estudaram os conceitos de sociedade autoritária (de Marilena Chauí) e de colonialismo interno (de Rodolfo Stavenhagen) para enxergar como se manifestam as violências estruturais nas situações cotidianas da realidade brasileira.
O conceito de sociedade autoritária tem enorme poder explicativo sobre o cotidiano brasileiro. Segundo Chauí, “temos o hábito de supor que o autoritarismo é um fenômeno político que periodicamente afeta o Estado, tendemos a não perceber que é a sociedade brasileira que é autoritária e que dela provêm as diversas manifestações do autoritarismo político”. As hierarquias sociais, raciais e de gênero atravessam todo o tecido social e o autoritarismo é constantemente naturalizado. A sociedade autoritária cria “mecanismos para tolerar várias formas de violência”, que são invisibilizadas e de longa duração. As relações privadas de mando e obediência são consagradas por uma cultura de tipo senhorial, que se replica também nas camadas médias. Uma divisão brutal entre trabalho manual e intelectual materializa e reproduz tais hierarquias. A repressão contra os mais vulneráveis é a norma, acompanhada da (já tradicional) culpabilização da vítima.
O conceito de colonialismo interno, por sua vez, acrescenta mais uma camada crítica à compreensão do Brasil. O roubo territorial dos povos tradicionais para a monocultura de exportação, a espoliação da natureza e a violência mortífera sobre povos que vivem outras epistemologias dentro do Brasil foram motores da colonização, mas estão longe de terminar. Ao contrário, o colonialismo se reinventa e acelera com modernização tecnológica e política. Para Stavenhagen, “as regiões subdesenvolvidas de nossos países fazem às vezes de colônias internas” e o progresso técnico aplicado a estruturas sociais desiguais só aprofunda nossos atrasos. O avanço do agronegócio que desmata a floresta e viola direitos indígenas em pleno século XXI torna esse colonialismo interno quase óbvio. Mas não é só na fronteira agrícola que ele é visível. Também na hierarquia entre regiões do Brasil, na xenofobia contra nordestinos, no trabalho análogo à escravização para produzir espumantes para classe média, no algoritmo dos aplicativos “acelerando” a exploração do trabalho nas grandes cidades.
Após aulas de discussões e conceituações destes tópicos, os alunos produziram matérias sobre diversos acontecimentos relevantes da atualidade brasileira. São eventos jornalísticos compreendidos de maneira histórica, antropológica e sociológica por meio destas duas categorias.
Neste dossiê, são reunidas análises críticas sobre o Marco Temporal, narrativas sobre a vida dos entregadores e motoristas de aplicativo, debates sobre o trabalho doméstico e a violência de tipo intimista, casos de racismo recreativo na universidade, assédio moral nas grandes empresas, escravização de pessoas e programas de resgate, a extrema direita, o narcogarimpo e o armamentismo entre outros.
Boa leitura!
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