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Por Gabrielle Guimarães, Pedro Brienza e Pedro Ramiro Edição #64

Entre gritos de apoio e cotoveladas

Torcidas organizadas são marcadas por amor excessivo à camisa e situações violentas

Brasil se configurou como o “País do futebol” na década de 1940, quando foram fundadas grandes federações do esporte em diferentes estados. Na época, torcedores de um mesmo clube se uniram para torcerem juntos. “A primeira forma dessa manifestação é chamada por alguns pesquisadores de ‘torcidas voluntárias’. No início da história do futebol, se reuniam única e exclusivamente em consequência dos jogos e tinham como elemento comum a paixão que nutriam por um ou por outro clube”, explica José Correia Sobrinho, cientista social especialista no estudo de torcidas organizadas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A Fundação Getulio Vargas (FGV) fez um levantamento do perfil dos torcedores das organizadas. São homens (86%), solteiros (72%), de até 40 anos (94%), com ensino médio completo (62%) e moradores de capitais (67%). Ainda, 60% deles afirmaram pagar uma “mesada” à torcida organizada, mas só 38% declararam ser filiados ao clube em si.

Esses grupos exercem um papel fundamental para os times, mas se diferenciam de uma torcida para outra. Na mesma pesquisa da FGV, quase 60% dos torcedores se consideram dentro de uma torcida violenta. Na linha tênue entre paixão e hostilidade, ESQUINAS analisa os torcedores das organizadas dos quatro grandes clubes paulistas.

Fé do Timão

Foto de Rodrigo Gianesi

Descrever o Sport Club Corinthians Paulista pode ser simples, mas há quem o veja como símbolo de fé. Não à toa, uma das torcidas se chama Gaviões da Fiel. “Posso dizer que a minha [religião] é o Corinthianismo”, brinca Alexandre Pereira, dono de várias “loucuras pelo clube”. Em 2017, foi a Campinas, a 80 quilômetros da capital, para uma partida. Sem ingresso, encontrou um amigo que lhe ajudou a entrar. “Ele estava com o ingresso dele. Eu, sem, atrás. Na hora que ele foi passar na catraca, já me empurrei junto, dei uma cotovelada no segurança e entrei correndo”, conta. A torcedora Maria Júlia Azuaga acredita que jogo fora de casa sem a torcida adversária é “a morte do futebol”. “Torcida única é o atestado de incompetência do Estado e da polícia”, comenta. Ela acredita que os seguranças das arenas têm um olhar diferente em relação às torcidas. “Sei de muitos relatos de abuso de poder sobre nós, torcedores”, critica, sem deixar de seguir sua “religião”.

Paixão cega e inexplicável

Foto de Roberto Sabino

Entre os membros da Mancha Verde, organizada da Sociedade Esportiva Palmeiras, Brenda Menezes começou nos jogos com o pé direito: quando o clube foi vencedor do Campeonato Brasileiro em 2015. “Apesar das raivas e dos roubos, é quando eu me encontro”, afirma. Leandro Neublum teve sua primeira experiência nos estádios muito antes, em 1998, quando o alviverde conquistou seu primeiro título na competição. Porém, acha que o time tem perdido a graça. “Antigamente, era bem melhor. Cada jogo era uma história nova e algum imprevisto sempre acontecia”, diz. Guilherme Rodrigues também divide a bancada da organizada e se mostra totalmente contrário ao jogo com torcida única. “Acho um lixo”, aponta. Ele reconhece que a relação entre as torcidas adversárias não é boa nem mesmo entre as próprias torcidas do clube. As memórias são acompanhadas de paixão e loucura desmedidas. Nas palavras do jornalista Joelmir Beting, é impossível explicar a emoção de ser palmeirense a quem não é.

Orgulho de poucos

Foto da Torcida Jovem do Santos / Domínio Público

Os frequentadores da Torcida Jovem do Santos Futebol Clube dizem que a paixão pelo time vem do berço. Precisam apenas ter força para cantar e animar o time durante todo o jogo. “Você tem que viver o clube, amar de verdade, estar disposto a segui-lo e apoiá-lo”, explica Victor Ferreira. O torcedor-organizado precisa de um cadastro mediante apresentação de documentos como RG e comprovante de residência, além de um pagamento anual. Pablo Gonçalves vê a violência no estádio como algo que existe tanto dentro quanto fora dele. Para ele, fazer parte desses grupos o torna mais suscetível  a situações violentas. Torcedores, no geral, acreditam que a medida tomada em 2016 para que partidas entre os “clássicos” paulistas sejam de torcida única é algo prejudicial para o “espetáculo” feito dentro da arena. “[Mesmo com proibição,] já fui infiltrado na Arena Corinthians, no Pacaembu e no Morumbi”, conta Gonçalves, mostrando que a paixão por estar próximo ao time do coração fala mais alto.

“Entre os grandes, é o primeiro”

Foto de Paulo Pinto / SPFC

Mais do que saudar o “amado clube brasileiro”, um torcedor deve ter “comprometimento com o time acima de todas as coisas”, segundo Valter Costa, o Magrão, diretor-chefe da Torcida Tricolor Independe do São Paulo Futebol Clube. Marcelo Fabbri é um desses. “Faz tanto tempo, que posso dizer que nasci são-paulino”, anima-se. O único empecilho que o fez parar de frequentar o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, foi uma briga de 1994 entre o time de coração e o rival Palmeiras. Afastou-se, mas filiou-se novamente aos 15 anos. Diogo, que prefere não ter o sobrenome divulgado, desaprova o processo de entrada na torcida. Por muito tempo, levava-se em consideração o esforço do torcedor em termos de frequência em caravanas e eventos do time. Agora, “é só chegar, pagar a taxa e está associado”. No fim das contas, a vontade do são-paulino é expressar sua paixão ao apoiar o clube. Acompanhado do amor que surge na infância e na família, ele se identifica por cantar o que, “entres os grandes, é o primeiro”.