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Por Aaron Leite Edição #64

Para inglês ver

A negação da identidade permanece há séculos no Brasil

Mais de 200 milhões de pessoas, filhas de inúmeros pais que vieram de países onde seus ascendentes partiram para se aventurarem na “pátria gentil” brasileira. Muita história para mencionar em algumas frases, mas a questão a ressaltar é a diversidade em que o Brasil se fundou. Para bem ou para mal. Há um detalhe: essa história é totalmente esquecida por nós.

Não é por causa de ignorância ou falta de cultura, mas sim pelo desdenho que nós mesmos temos dela. É uma herança colonial que prevalece não só no Brasil, mas em todos os cantos do continente latino-americano. Desde o meu país, a Venezuela, aos meus amigos na Argentina e aqui. O que temos em comum é sempre acreditarmos que nossa cultura são sobras europeias e, por isso, temos que a depreciar.

O desdenho às nossas origens — sobretudo àquelas que não têm origem francesa, inglesa ou alemã — nos faz escolher ídolos distantemente “sagrados” para orientar o futuro. É triste pensar dessa maneira, mas nossas vidas se espelham fanaticamente em culturas alheias tão diferentes que chegamos a imitar cegamente suas atitudes sem pensar nas consequências.

Desde 1808, quando a Coroa Portuguesa foge de seu reinado e vem para a Colônia, as atitudes são feitas “para inglês ver”, questão que já diz muito sobre nós, sobretudo na política. Na era da globalização, os discursos ditos na Quinta Avenida, em Nova York, ou nos Campos Elísios, em Paris, são reproduzidos na Faria Lima ou na Paulista. Isso é um padrão que se repete em todas as bolhas do País. Pessoalmente, nada contra. Porém, não tem como aceitar isso como paralelismo a nossa realidade.

Essa ideia sobrevive no âmbito da violência. Lamentavelmente, vários setores da sociedade estão importando discursos e atitudes que nem os próprios países “civilizados” se dão ao trabalho de lembrar. Isso pode explicar coisas estranhas que acontecem na política como encontrar mestiços eugenistas, colonos nortistas xenofóbicos, comunistas libertários ou democratas totalitários. É uma mistura sem pé nem cabeça.

Sinceramente, não me surpreendo pelos ataques xenófobos. É uma questão que prevalece há mais de 500 anos na América Latina. Uma história que se repete cotidianamente. Acostumamo-nos a fazer as mesmas coisas bárbaras que os franceses, alemães e estadunidenses fizeram nos seus territórios e colônias.

A xenofobia, para mim, é só mais uma atitude mímica que tenta preencher a crise de identidade que vivemos há séculos. Afinal, não tem como explicar para um mestiço a incoerência de ser racista se nem ele mesmo sabe o que significa “ser mestiço”. É triste testemunhar, mas é o preço a pagar por usar a história como privilégio social, e não como identidade nacional.