Na era dos algoritmos e dos limites da privacidade sendo atacados, pessoas se veem de frente para outro tipo de problema: o assédio virtual
Giovanna, de 18 anos, foi vítima de cyberbullying na pré-adolescência. No início, era uma brincadeira: uma amiga criou uma página no Facebook para, até então, elogiá-la. Após um desentendimento, a “fanpage” – como a menina chamava – mudou o nome de Giovanna, a perfeita para Giovanna, a puta. A garota não soube o que fazer e pediu ajuda para a mãe, que contatou advogados e a polícia. Giovanna lembra que estava passando pelo término de seu primeiro relacionamento. Entrou em depressão. “Eu perdi toda a minha privacidade, era uma coisa super desconfortável. Tanto que, hoje, o Facebook é um trauma para mim, nem quero usar”.
Ao contrário das agressões físicas, o cyberbullying – ou assédio virtual – tem um agravante: ele persegue a vítima onde quer que ela esteja. A popularização dos smartphones e das redes sociais entre os jovens faz com que as ofensas tenham maior alcance e afetem de forma significativa a vida das vítimas.
Em 2017, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) foi responsável por avaliar o comportamento dos jovens na internet. De cada quatro crianças e adolescentes, uma passou por ofensas no ambiente virtual, correspondendo a 5,6 milhões de pessoas entre 9 e 17 anos. Esse número cresce a cada ano: em 2014, o percentual de jovens que passaram por tal situação era de 15%, atingindo 23% dois anos depois.
As vítimas ainda se veem de frente à outra situação desagradável: o desprezo por parte das autoridades de segurança. “Elas vão em uma delegacia e [os funcionários] desdenham dela, não dão crédito, não tratam realmente com a mesma seriedade, como se fosse um crime insignificante, menor, e não querem fazer B.O.”, diz o advogado especialista em crimes virtuais Jonatas Lucena. O problema também envolve a legislação atual do País, já que as punições para crimes virtuais são poucas. Ofensas na internet e perfis falsos são exemplos de impunidade.
A professora infantil Cristine Braga, de 44 anos, passou por um caso de perseguição pela internet. Quando começou um namoro, em 2012, a ex-mulher de seu então namorado começou a mandar mensagens constantes para ela por um perfil falso no Facebook. “Começou a ficar bem bizarro, porque ela me mandava mensagem falando que ele estava lá com ela, ligava e desligava, essas coisas”, lembra. Ela fez um boletim de ocorrência denunciando a mulher e imprimiu as conversas que teve com ela para levar como prova. Essa perseguição pode se enquadrar como cyberstalking, um outro tipo de cyberbullying, considerado como crime contra a honra segundo Lucena. O caso acabou quando o juiz determinou que, se persistisse, a stalker seria obrigada a pagar uma indenização para o casal.
Contudo, a perseguição no meio virtual ainda não tem uma lei específica para punição. Atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 236/2012 para a reforma do Código Penal, no qual o cyberbullying teria pena de dois a seis anos de prisão.
Na opinião do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), dada por sua assessoria, a legislação atual ainda não é muito desenvolvida em relação aos crimes virtuais, um assunto relativamente novo para a sociedade e para a jurisdição – o cyberbullying poderia se enquadrar como injúria ou crime contra a honra, e não como um crime digital.
Em 2012, o Código Penal foi alterado após a atriz Carolina Dieckmann ter sido chantegeada e fotos íntimas suas vazarem na internet. A lei criada passou a tipificar dentro da legislação os crimes de invasão de computadores para obtenção de vantagem ilícita, falsificação de cartões e de documentos particulares.
O Marco Civil da Internet, por sua vez, garante os direitos fundamentais previstos na Constituição ao preservar privacidade e liberdade de expressão na internet. Mesmo sendo importante ao assegurar direitos no âmbito virtual, ainda falta muito para que essa legislação alcance o patamar ideal. “Não nos ajudou em nada, já que veio bem desatualizado”, opina Lucena. O advogado ainda afirma que a legislação atual é “completamente desatualizada, retrógrada e arcaica”, o que agrava os problemas de cyberbullyng e gera uma sensação de impunidade aos assediadores virtuais.