Prática antiga, o naturismo atrai adeptos e choca pessoas conservadoras por causa do tabu da nudez
Putaria, sacanagem, pedofilia. Essas foram algumas das coisas que o carioca Pedro Ribeiro, de 60 anos, escutou. Tudo porque decidiu aderir à prática naturista nos últimos 35 anos. De acordo com a Federação Naturista Internacional, que reúne as organizações naturistas oficiais de todo o planeta, “naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o autorrespeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente”. Como Ribeiro aponta, é uma filosofia de vida.
Na adolescência, durante a primeira metade da década de 1970, Ribeiro já se reconhecia como naturista. Lia revistas de naturismo do exterior, como a norte-americana Health and Efficiency e a alemã Freies Leben, já que as brasileiras eram censuradas pela moral vigente na época e imposta pela ditadura militar. “Esse tipo de revista era considerado pornográfico, então era dificílimo ter acesso a elas”, recorda. As práticas começaram de fato somente dez anos depois, com a reportagem da Praia do Pinho, em Santa Catarina, publicada em 1984 pela extinta revista Manchete. As edições da publicação se esgotaram rapidamente e a praia se tornou um fenômeno. Hoje, Ribeiro é presidente da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN).
Quando o carioca passou a se envolver com as práticas, o naturismo era escondido e incipiente, vivendo quase um “período de ostracismo”, como ele mesmo classifica. “Havia essa opressão oficial a respeito de qualquer coisa que não correspondesse à linha de pensamento da época, que era uma linha militar, de bons costumes. Tudo isso era considerado imoral”, comenta.
O naturismo chegou tarde no Brasil. Ele começou no final do século 19, na Alemanha. Um dos seus precursores foi Adolf Koch, um professor de Educação Física e líder do movimento Freikörperkultur (cultura do corpo livre, em tradução direta). Koch, tendo dificuldades em implantar o exercício físico nu nos colégios alemães, criou o seu próprio instituto de educação nudista com o apoio do governo prussiano e com 3.000 alunos matriculados em 1929.
A atriz e dançarina Dora Vivacqua, que ficou conhecida pelo nome artístico Luz del Fuego, destacou-se na implementação do naturismo no Brasil mais tarde, entre os anos 1940 e 1950. Foi a fundadora do primeiro reduto naturista da América Latina e a primeira nudista brasileira. “A perseguição ao comportamento e aos ideais de Luz del Fuego foi constante durante toda a sua vida. Reprimida pela família e pela sociedade, foi acusada diversas vezes de atentado ao pudor, internada em hospícios, presa, submetida a interrogatórios em delegacias de costumes e suas publicações sofreram perseguições, censuras”, escreve a edição de maio de 2017 (link para download do PDF) da revista de cultura do Diário Oficial do Espírito Santo. Luz del Fuego só pararia em 1967, quando foi assassinada por dois pescadores a pauladas, na Ilha do Sol, no Rio de Janeiro, recanto do naturismo brasileiro onde morava.
A postura e a ousadia de Fuego foi o gatilho para outras pessoas se afeiçoarem à linha de pensamento do naturismo, como Pedro Ribeiro e Eduardo Rossetto. Este é designer gráfico e presidente da Nós Naturistas, atuante na cidade de São Paulo. Rossetto passou a fazer parte do naturismo na faixa dos 40 anos de idade: sempre teve interesse pelo movimento, mas apenas sua terceira esposa aceitou a ideia de pôr em prática as filosofias. Dessa maneira, começou a frequentar locais onde era possível exercer as ideias que tanto lhe eram atrativas.
O designer explica que, sempre que possível, divulga o naturismo. Amigos, familiares e colegas de trabalho sabem das práticas, e ele tenta esclarecer eventuais dúvidas. “Não é putaria, que é o que a maioria das pessoas pensa. Quando eu percebo que não é o que ela está procurando, já digo com todas as letras que aquele não é o lugar dela”. Rossetto faz questão de acabar com os tabus e as confusões que surgem nas redes sociais principalmente. Ele conta que é comum que os não-praticantes confundam a filosofia com swing – relações sexuais entre dois ou mais casais.
Sem frescura
A defesa dos naturistas pela filosofia está no conceito de “aceitação do corpo”. “Seu corpo tem defeitos e qualidades. E o dos outros também tem”, explica o presidente da FBrN. Ao lado de Rossetto, Isabel Fantucci tem 55 anos, iniciou as práticas com o marido Oswaldo há cerca de seis e é a atual vice-presidente do Nós Naturistas.
A mulher, que trabalha como policial civil na cidade de São Paulo, conta que os benefícios do naturismo são os de “uma vida sem frescura”. Além de melhorar a autoestima das pessoas, a rede de contatos e amizades que se estabelece a partir de então é muito importante. “É conhecer as pessoas o mais profundo que se pode conhecer, sem rótulos, marcas, clichês”. Ela diz nunca ter se sentido assediada durante as práticas naturistas e frisa que, caso alguém tente algo que está fora do que é permitido pela FBrN, essa pessoa é expulsa das reuniões e dos locais permitidos para as ações naturistas.
“O naturismo é uma grande família com pessoas de 2 a 80 anos”, resume o presidente do Nós Naturistas. O grupo, oficializado pela FBrN, realiza uma série de eventos, como festas em sítios, natação em uma piscina indoor no bairro da Saúde, em São Paulo, aulas de yoga, ensaios fotográficos e também competições de culinária, o Nós Chefs Naturistas, que ocorreu em Arujá, a quase 50 quilômetros da capital. “Somos todos como formiguinhas tentando ensinar que a liberdade é possível, mas jamais desrespeitando o direito do outro, inclusive o de não ser naturista”, relembra a vice-presidente.