O movimento Slow Living propõe o resgate de costumes que foram perdidos com a pressa do dia a dia
O despertador toca às 6h, você levanta da cama, toma café da manhã em dez minutos, arruma-se em 20, sai antes das 7h. Chega, bate o ponto, lê e-mails, agenda reuniões, preenche relatórios, almoça um salgado em cinco minutos. Mais algumas horas e vai embora, passa estresse com o trânsito. Chega em casa, pede um fast-food, toma um banho rápido, engole os remédios para dormir, deita a cabeça no travesseiro já planejando o dia seguinte que ainda nem começou.
Até onde o cotidiano apressado e automático vale a pena? Será possível viver de forma mais desacelerada na cidade de São Paulo? É isso o que o Slow Living sugere: um estilo de vida com resgate do afeto, valorização das relações e mindfulness, ou seja, atenção plena para o momento em que está se vivendo e nas atividades que se está praticando, sem fazer as coisas de forma involuntária. Para os adeptos da prática, essa forma de vida é algo que foi perdido a partir do momento em que o cotidiano passou a ser vivido de forma automática.
Diversas atividades estão sendo realizadas na cidade com o objetivo de dar uma pausa na rotina caótica. Em setembro de 2018, aconteceu o Dia Sem Pressa, organizado pelo Desacelera SP. O evento levou aos convidados a reflexão sobre a rapidez no dia a dia e a vivência no automático. Foi por isso que Mayra Mattoso, de 38 anos, marcou presença no evento. A analista de sistemas não faz parte do movimento Slow Living, mas procura algumas atividades para “desacelerar”, como a meditação, que pratica há cinco anos. Mattoso percebeu que estava só observando a vida passar e, por isso, sentiu a necessidade de dar uma pausa. “A gente anda com uma vida muito corrida, com muito estresse, ansiedade, e acho que uma hora tem que dar uma pausa até por uma questão de autoconhecimento”, comenta.
O evento foi organizado pelo Desacelera SP, uma consultoria de pessoas e negócios que tem como propósito contribuir na divulgação, difusão e propagação de um estilo de vida mais desacelerado. O Dia Sem Pressa reuniu atividades e palestras estruturadas em oito temas: comer, fazer, pensar, brincar, viver, conviver, trocar e oferecer. Assim como o evento, o Slow Living também é estruturado em diversos nichos, mas a área que deu início foi a alimentação.
O movimento nasceu em Roma, no ano de 1986, com o Slow Food, que tem como princípio central o direito ao prazer da alimentação, produzida de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto o trabalho dos produtores, que atuam no campo e muitas vezes não são valorizados. Naquele ano, o jornalista italiano Carlo Petrini liderou um grupo que protestava contra a abertura da primeira loja do McDonald’s no país. Aquelas pessoas estavam se opondo ao fast-food, uma forma de alimentação em que o que importa é apenas a praticidade.
“A gente anda com uma vida muito corrida. Uma hora tem que dar uma pausa até por uma questão de autoconhecimento
Mayra Mattoso, analista de sistemas
“Em determinado momento, começou uma alta valorização da produtividade e o ato de cozinhar perdeu espaço para o prático e rápido, perdeu a qualidade e o valor real do tempo de se comer junto e de toda a valorização sobre o alimento”, explica Cláudia Mattos, chef de cozinha e militante do movimento Slow Food, que também preza pela preservação e valorização de todos os atores da cadeia alimentar: campos onde os alimentos são produzidos, trabalhadores que atuam no processo, cultura alimentar e receitas que perpassam gerações.
Outra área que compõe o Slow Living é a da medicina. “O Slow Medicine é um resgate da medicina com foco na relação médico-paciente, um contraponto à ‘Fast Medicine’, caracterizada por consultas rápidas, excesso de exames, diagnósticos e tratamentos”, explica Suzana Vieira, endocrinologista. A médica é colaboradora do Slow Medicine Brasil, grupo de especialistas que atuam com a medicina convencional, mas que colocam os princípios deste movimento dentro dos consultórios nos quais realizam atendimentos. Eles fazem isso utilizando de forma apropriada e sem desperdício os recursos disponíveis, inclusive os tecnológicos, e mantendo uma relação sem pressa com o paciente, ouvindo e considerando seus valores, expectativas e desejos para os tratamentos.
Desde a Revolução Industrial, estamos vivendo um estilo de vida cada vez mais acelerado. A pressa está no viver, comer, medicar, pensar, agir, fazer. Tudo é “para ontem”, urgente, automático. Mas o Slow Living está tentando fazer com que as coisas mudem, ou melhor, voltem a ser como eram. Seja por meio da alimentação, da medicina ou de qualquer outro aspecto da vida cotidiana, o objetivo é o resgate da relação valorizada e desacelerada com o mundo. e com a vida.